O nacionalista angolano Adolfo Maria dá voto de confiança às medidas de combate à corrupção adoptadas pelo Presidente João Lourenço. O autor do novo livro "Angola - A Hora da Mudança" aplaude a nova postura governativa.
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Adolfo Maria defende uma efetiva separação de poderes em Angola, nomeadamente entre o poder político e o poder judicial. O nacionalista angolano reage desta forma à recente decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de libertar o empresário Jean-Claude Bastos de Morais e José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos, no âmbito do processo de gestão dos ativos financeiros do Fundo Soberano.
O fim do ciclo de Eduardo dos Santos e o início de uma nova era em Angola, encabeçada por João Lourenço, bem como a necessidade de democratização e reforço da sociedade civil angolana configuram o conteúdo do seu novo livro: "Angola - A Hora da Mudança". Adolfo Maria aplaude a mudança de postura no exercício do poder, nomeadamente no que toca ao combate à corrupção. Afirma, entretanto, que a recente restituição à liberdade do empresário suíço-angolano Bastos de Morais, e de Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, ao abrigo do processo de recuperação de ativos, levanta dúvidas.
"Não está muito claro, sobretudo para questões da justiça e para quem não está dentro do próprio processo. Mas, o facto de eles terem sido detidos, que eu lembre, foi por precaução para que, estando em liberdade, podiam fugir ou prejudicar as investigações em curso. Portanto, essa é uma razão para terem sido detidos [preventivamente]. E pode ser alegado agora que já não havia essas razões", explica o nacionalista angolano.
No seio da diáspora angolana reina uma certa frustração face à decisão da justiça e do executivo de Luanda, que se traduz numa clara desresponsabilização dos atos criminosos praticados pelos visados. Para Adolfo Maria, são os angolanos dececionados com o estado de degradação e de desigualdade social a que o país chegou por força da corrupção, que reagem a tal decisão, questionando por que razão Bastos de Morais e Filomeno dos Santos não estão presos. "Acho também depois das culpas que têm, se o processo continua ou não. Atenção, se o processo foi arquivado é uma coisa, se ele continua é outra", diz.
João Lourenço merece voto de confiança
Adolfo Maria reconhece que ainda há muito para mudar e continua a dar o seu voto de confiança às reformas propostas por João Lourenço. "Muita coisa já mudou, mas tudo não se faz em 18 meses de poder com uma situação tão complexa em que mergulhou Angola", recorda.
Adolfo Maria lança "Angola - A Hora da mudanca"
Na sua opinião, "embora a justiça esteja a funcionar agora de outro modo, a separação dos poderes tem de ficar claramente definida de outra maneira, diferente da que foi feita para preservar o poder pessoal de José Eduardo dos Santos."
O sentimento inicial das pessoas é de desalento e frustração, segundo Manuel Dias dos Santos, da Plataforma de Reflexão dos Angolanos na diáspora. "Fundamentalmente por ter havido uma alteração, no meio de tudo isso, que foi o facto de alguém que está profundamente responsabilizado, a quem foi entregue a gestão do dinheiro do Fundo Soberano sair sem qualquer repercussão porque há uma decisão política no meio disso", afirma.
Será que o processo é credível?
Para Manuel dos Santos, há outra questão que se levanta: "a credibilidade deste processo de combate e luta contra a corrupção enunciada e marcada nos discursos do chefe de Estado."
"Porque o discurso oficial não conseguiu estar à altura, até agora, de explicar aos angolanos se, de facto, esse precedente não abre outros precedentes futuros para outras pessoas em circunstâncias semelhantes ou parecidas que tenham se apropriado, privatizado os recursos do Estado angolano para uso pessoal e provento próprio", explica,
No seu entendimento, todo este processo de combate contra a corrupção corre o risco de sair profundamente ferido de morte, por causa do precedente agora aberto. "Tudo isso criou uma grande desmotivação depois de todo o entusiasmo criado pelos discursos do chefe de Estado, em que ninguém estaria acima da lei", lamenta.
"A Hora da Mudança"
Adolfo Maria, de 83 anos, lançou o livro "A Hora da Mudança" na capital portuguesa, Lisboa. Nascido em Luanda, Adolfo Maria entregou-se desde a sua juventude à luta nacionalista para a independência do seu país. Participou no combate cultural (Sociedade Cultural de Angola, jornal Cultura e Cine Clube de Luanda), nos anos 1950; no combate político (no PCA e no MLNA), o que lhe valeu a prisão pela polícia política portuguesa, a PIDE, em 1959; e no combate armado (nas fileiras do MPLA) nos anos 60 e 70.
Dentro da luta nacionalista, participou no combate pela democracia no seio do MPLA, em 1974, como membro da tendência Revolta Activa, o que originou um mandado de captura contra vários elementos dessa tendência, em Abril de 1976, cinco meses após a independência de Angola. Esperou muitos anos por um passaporte angolano, atribuído depois de João Lourenço ter tomado posse como Presidente.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".