Genocídio: Alemanha não comenta declarações de Geingob
Daniel Pelz
11 de junho de 2020
Num discurso à nação, na semana passada, o Presidente Hage Geingob afirmou que tinham havido progressos nas negociações com a Alemanha sobre o genocídio da era colonial contra os Herero e Nama. Berlim não comenta.
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A surpresa surgiu no discurso sobre o estado da nação do Presidente da Namíbia, no passado dia 4 de junho: "Não era suposto eu dizer isto, mas há novidades sobre a questão do genocídio. Recebi ontem um relatório sobre os progressos das negociações. A Alemanha reconheceu que os acontecimentos de 1904 a 1908 podem ser qualificados de genocídio e está disposta a pedir desculpa", disse.
No dia 5 de junho, um dia após o discurso de Hage Geingob, um dos jornais diários do país, o "New Era", fazia capa: "Alemanha vai finalmente pedir desculpa pelo genocídio".
No entanto, aquilo que parecia ser um motivo para festejar, depois de anos de negociações, não mereceu aplausos da segunda parte interessada, o executivo alemão.
"As conversações entre o Governo Federal e o Governo da Namíbia prosseguem num clima construtivo e de confiança mútua. Ambas as partes concordaram com a confidencialidade, razão pela qual não vamos comentar os progressos ou o conteúdo das conversações, no entanto, e como já dissemos antes, o objetivo destas conversações é chegar a um pedido de desculpas", afirmou, em Berlim, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, Christofer Burger.
De facto não é novidade que Berlim prometeu já por várias vezes pedir desculpas à Namíbia pelo massacre da era colonial. E ambos os governos já disseram também estar perto de chegar a um consenso sobre as compensações, apesar deste ainda não ter acontecido.
Controvéria sobre o dinheiro
A Alemanha excluiu, desde o início das negociações, pagar uma compensação direta à Namíbia. E em vez disso, propôs financiar projetos de desenvolvimento em áreas como a saúde ou a energia nas zonas onde vivem os povos Herero e Nama. No entanto, e como voltou a afirmar neste discurso à nação o Presidente, a Namíbia não concorda com os valores propostos até à data pela Alemanha.
"A Alemanha ofereceu dez milhões de euros. Dissemos que era um insulto", afirmou aos namibianos o Presidente, que acabou depois por afirmar que "apesar de todas as palavras amáveis, ainda não há um acordo".
Namíbia diz que Alemanha está pronta para pedir desculpa por genocídio
Mas então, e se não há novidades concretas, porque razão voltou o Presidente namibiano a puxar este tema para o debate? Dietrich Remmert, analista do Instituto de Investigação de Políticas Públicas de Windhoek, afirma que Geingob "estava, provavelmente, à procura de coisas positivas para comunicar à nação". E explica porquê: "A nossa economia ainda está em dificuldades desde 2016. Muitas pessoas perderam os seus empregos e a pandemia provocada pelo novo coronavírus veio dificultar ainda mais a situação. O turismo, cujas receitas são importantes para o país, está em declínio. Por isso, eu acho que ele estava provavelmente à procura de coisas positivas para comunicar à nação".
Sinal para os povos Herero e Nama?
Para além desta justificação, dizem os observadores, as declarações do Presidente namibiano podem também ter surgido como uma forma de acalmar a tensão entre o governo e os grupos étnicos afetados. Isto porque alguns representantes dos povos Herero e Nama dizem não confiar no executivo de Hage Geingob para gerir as negociações em sua representação.
A última ronda de negociações entre a Namíbia e a Alemanha sobre os acontecimentos da era colonial estava prevista para março, mas teve de ser cancelada por causa da pandemia do coronavírus. Assim, e apesar dos dois executivos afirmarem que as conversações continuam, não há uma data prevista para que o acordo final entre os dois países possa ser alcançado.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.