Naufrágio: "É complicado falar de responsabilização"
9 de abril de 2024O naufrágio deste domingo de uma embarcação de pesca em Nampula, no norte de Moçambique, provocou a morte de 98 pessoas, incluindo 55 crianças, 34 mulheres e nove homens. Segundo dados da Polícia da República de Moçambique (PRM), das 130 pessoas que seguiam a bordo, há registo de apenas 16 sobreviventes.
As vítimas morreram na sequência do naufrágio de uma pequena embarcação sobrelotada que saiu do posto administrativo de Lunga com destino à Ilha de Moçambique.
Em reação, a Assembleia da República de Moçambique apelou ao Governo para que continue a apurar as causas do naufrágio. Por seu lado, Ossufo Momade, presidente do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), mostrou-se "profundamente consternado" com o acidente, pedindo luto nacional.
Em declarações, esta terça-feira, após o Conselho de Ministros, o porta-voz do Governo anunciou que vai decretar, a partir das 00:00 do dia 10 de abril, três dias de luto nacional.
Países como Angola, Cabo Verde, Brasil e África do Sul manifestaram, esta terça-feira, a sua solidariedade com Moçambique. Já as Nações Unidas fizeram saber que enviaram uma equipa para o terreno para apoiar as autoridades e prestar ajuda aos sobreviventes e famílias afetadas pela tragédia.
De acordo com as autoridades marítimas moçambicanas, a embarcação de pesca não estava autorizada a transportar passageiros, nem tinha condições para o efeito, e as pessoas que transportava fugiam a um surto de cólera no continente, com destino à Ilha de Moçambique, tendo o naufrágio acontecido a cerca de cem metros desta costa.
Em entrevista à DW África, o analista moçambicano Wilker Dias afirma que é necessário fazer uma reflexão profunda sobre as causas deste naufrágio e sobre a necessidade de mais segurança marítima. Wilker Dias diz ainda que não será fácil apontar responsáveis diretos pelo acidente, devido às circunstâncias especiais em que este aconteceu, e critica o Presidente da República por ainda não se ter deslocado presencialmente ao local.
DW África: Quem pode e deve ser responsabilizado por este acidente?
Wilker Dias (WD): Numa primeira instância, é um pouco complicado falar de responsabilização. Falamos de uma situação em que a população acabou por se deslocar em massa para a Ilha de Moçambique, havendo por isso algumas atenuantes. Primeiro, a questão da rápida procura e, depois, a acessibilidade dos meios de transição marítima, fizeram com que recorrer a estes barcos de pesca fosse a alternativa para esta deslocação.
DW África: Mas como é possível ter-se autorizado tantas pessoas a entrarem num barco de pesca que não tinha autorização para transportar passageiros?
WD: Dificilmente poderemos dividir a categoria de barcos de pesca da categoria de barco de passageiros. É complicado porque teríamos também que ter fiscalização em todos os pontos de Moçambique, o que é extremamente complicado. Basta pensar no próprio controlo e segurança marítima a nível nacional. É algo muito complicado de se ter. Então, nesta questão, a culpabilidade não vem muito ao caso.
DW África: Para já, diz-se que as pessoas fugiam de um surto de cólera. Isso também poderá ser uma atenuante na procura de responsabilização? Por se tratar de um caso de emergência?
WD: Exato, foi uma caso de emergência. As pessoas saíram praticamente em massa à procura de uma solução para se deslocarem. São fatores como este que precisamos ter em conta: pensar qual era o mecanismo para a transitabilidade por parte da população naquele ponto. Em segundo lugar coloca-se a questão do surto de cólera. E aí já entra a questão da culpabilidade das autoridades locais, porque se há alarmes ou alaridos relativamente a esta questão, as autoridades locais, a começar pelas sanitárias, deveriam apelar à população para não se deslocar em massa, explicando que esta é uma doença que tem cura. Se houve este alerta e não houve resposta por parte das autoridades locais, acredito que os órgãos superiores daquela província poderão ser responsabilizados por esta deslocação massiva da população.
DW África: O ministro dos Transportes e Comunicações moçambicano, Mateus Magala, anunciou ontem um encontro multissetorial em Nampula para analisar este incidente. Era o mínimo que o Governo central poderia fazer?
WD: Um dos primeiros passos que deveríamos ter tido era a transmissão das mais sinceras condolências por parte do Presidente da República, que não o fez até agora, presencialmente, o que já demonstra um vazio e tem suscitado diversas críticas na sociedade moçambicana. Passadas 48 horas, não foi tomada qualquer posição relativa aos enterros, [não houve pronunciamentos sobre] se o Estado vai apoiar as vítimas ou reforçar a fiscalização. Era o que o Governo deveria estar a fazer neste momento e que não fez.