Presidente João Lourenço será recebido esta quarta-feira com honras militares pela chanceler Angela Merkel e encontrar-se-á com investidores. Alemanha quer ajudar a diversificar economia angolana, mas ainda há desafios.
Publicidade
João Lourenço começa a visita oficial de dois dias à Alemanha com um encontro com empresas alemãs. O Presidente angolano vem a Berlim acompanhado de uma grande delegação de ministros e empresários.
"Angola precisa de investimento estrangeiro e de novos créditos", resume Jon Schubert. "A dívida que tem com a China é astronómica", afirma o investigador suíço - em 2017, rondava os 21,5 mil milhões de dólares, segundo dados do Governo angolano.
Esta quarta-feira de manhã (22.08), o Presidente angolano discursará num Fórum Económico, que decorrerá num hotel da capital alemã. O evento é organizado pela associação das empresas alemãs com negócios em África, Afrika-Verein, pela embaixada angolana em Berlim e pela Delegação da Economia Alemã em Angola.
"Esperamos que o Presidente angolano dê sinais claros", comentou Judith Helfmann-Hundack, do Afrika-Verein, nas vésperas da visita. "A economia precisa de compromissos claros no que diz respeito à confiança e à segurança legal nas relações económicas."
Por isso mesmo, na bagagem para Berlim, João Lourenço deverá trazer vários "rebuçados" para adoçar a boca aos investidores - um deles, a nova Lei do Investimento Privado, que acabou, por exemplo, com a obrigatoriedade de ter um sócio angolano para abrir uma empresa em Angola.
Além disso, o Presidente angolano traz novidades no combate à corrupção. Em julho, João Lourenço foi ao Parlamento Europeu e anunciou que estava numa cruzada contra os crimes de "colarinho branco". Na semana passada, quatro ex-funcionários da Administração Geral Tributária foram condenados à prisão em Luanda por corrupção e branqueamento de capitais, entre outros crimes. Foram ainda abertas outras investigações, incluindo contra José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano, que chefiou o Fundo Soberano e é acusado de fraude e desvio de fundos.
Entretanto, o Governo cancelou contratos com empresas ligadas à família de José Eduardo dos Santos, noticiou em julho o jornal português Expresso.
Mas estas e outras medidas, como o afastamento de Isabel dos Santos da chefia da petrolífera angolana Sonangol, são sobretudo ações simbólicas, comenta o investigador Jon Schubert. Ainda é preciso mudar muitos dos maus hábitos que se enraizaram enquanto José Eduardo dos Santos esteve no poder, refere.
"Se calhar, o mais fácil foi andar atrás dos filhos do ex-Presidente, mas tentar mudar esses maus hábitos e atacar os interesses económicos, por exemplo, das altas patentes do Exército vai ser muito mais difícil", afirma Schubert. "Essas figuras não vão largar simplesmente os privilégios económicos que conseguiram nos últimos anos."
O antropólogo político e económico, atualmente na Universidade de Brunel, em Londres, lembra que não é de um dia para o outro que se acaba com a corrupção e muda o ambiente de negócios. O próprio Presidente angolano já reconheceu isso.
Necessidade de reformas
Para o economista angolano Francisco Paulo, uma das maiores guerras por travar é a guerra contra a burocracia, "porque é a burocracia que leva à corrupção."
"Um indivíduo, para conseguir obter um alvará, fazer o registo da sua empresa ou obter qualquer documento leva tempo para obtê-lo. Então, o que as pessoas fazem é tentar ir para as 'vias mais rápidas'", comenta.
O economista acredita, mesmo assim, que, com João Lourenço, os investidores estrangeiros têm hoje mais garantias de segurança do que no passado e vê com bons olhos a visita de Lourenço à Alemanha.
Atualmente, só há cerca de 30 empresas alemãs com sucursal em Angola. O volume de negócios entre Angola e a Alemanha também é baixo: no ano passado, ficou-se pelos 299 milhões de euros, segundo estatísticas oficiais provisórias. Angola importa sobretudo automóveis, máquinas e tecnologia, enquanto a Alemanha importa principalmente petróleo e gás.
Com a queda do preço do crude no mercado internacional, diminuiu também em Angola o acesso a divisas, e essa é uma questão que continua a preocupar os investidores.
"O problema é que os investidores alemães ou europeus querem ver mais. Querem ver, por exemplo, as reformas macroeconómicas avançar, até as reformas sociais, porque há risco de reputação cada vez que vão para Angola", alerta o jornalista angolano Emanuel Matondo, que vive há mais de duas décadas na Alemanha.
João Lourenço visita Alemanha
"Lourenço tem uma tarefa grande, não só de falar, mas de ter também a coragem de fazer reformas". Ou seja, seria preciso muito mais do que os "rebuçados" que João Lourenço deverá trazer na bagagem para os investidores.
Durante a visita à Alemanha, além de se encontrar com empresários no Fórum Económico, o chefe de Estado angolano reunir-se-á com o Presidente Frank-Walter Steinmeier e a chanceler Angela Merkel.
No encontro, Merkel e o Presidente angolano deverão abordar as reformas económicas no país e os desenvolvimentos políticos não só em Angola como na região, de acordo com o programa oficial.
Outro tema que poderá ser abordado é a cooperação militar: segundo o jornalista Emanuel Matondo, tanto a Alemanha como Angola estarão interessadas em fortalecer essa parceria - por exemplo, para reforçar a segurança no Golfo da Guiné.
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.