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História

Ngungunhane, rei moçambicano que lutou contra o colonialismo

Glória Sousa
6 de julho de 2018

Foi o último rei de Gaza e resistiu à ocupação colonial de Portugal. Um século depois da sua morte, Ngungunhane tornou-se um símbolo da resistência moçambicana. Mas é uma figura controversa.

Ngungunyane Untertanen und Kolonialbeamte
Foto: Comic Republic

Nascimento: Por volta de 1850 no sudeste do território do Império da Faixa de Gaza. No seu auge, o reino do seu avô Manukuse ocupava um vasto território, que se estendia do rio Incomati, no sul, e do Oceano Índico, no leste, até aos rios Zambeze e Save, no norte, ocupando grande parte do que é hoje o território moçambicano e parte dos países vizinhos. Ngungunhane, cujo nome de nascimento é Mudungazi, tornar-se-ia no último rei de Gaza antes do império ser derrotado pelos portugueses. Morreu a 23 de dezembro de 1906, no exílio na ilha Terceira, nos Açores.

Como chegou ao poder? A morte de Manukuse, avô de Ngungunhane, em 1858, deu origem a uma guerra pela sucessão entre dois herdeiros do fundador do império. Com o apoio das autoridades portuguesas, Muzila conquistou o poder. Porém, também a sua sucessão foi problemática. O seu filho Mudungazi, com o apoio da sua esposa favorita, Yosio, ordenou a morte de um dos seus irmãos e tornou-se imperador de Gaza em 1884. Mudou o seu nome para Ngungunhane, "o terrível" ou "o invencível". Durante 11 anos, governou com poder absoluto, fazendo uso excessivo de violência no tratamento dos seus povos vassalos.

Como se relacionou com os europeus? Ngungunhane tomou o poder alguns meses antes da Conferência de Berlim (1884-85), onde as nações europeias dividiram literalmente África entre si, marcando o clímax do apetite europeu por este continente. Face ao crescente interesse da Grã-Bretanha e da Alemanha pelos territórios moçambicanos, Portugal sentiu uma pressão crescente para impor definitivamente o seu poder e suprimir o Império de Gaza. Percebendo as rivalidades entre os países europeus, Ngungunhane tirar vantagem e durante anos jogou diplomaticamente com diferentes potências, nomeadamente a Grã-Bretanha e Portugal.

Como foi Ngungunhane derrotado? No início de 1895, António Eanes, Alto Comissário para Moçambique, ordenou uma ofensiva militar contra Ngungunhane, que naquela época já havia perdido a lealdade de muitos dos seus súbditos. O seu império era, assim, invadido por confrontos sangrentos. Depois das batalhas em Coolela e Mandlakasi, Ngungunhane fugiu para Chaimite, província de Gaza, a aldeia sagrada do império onde o seu avô estava enterrado. A 28 de dezembro de 1895, o "Leão de Gaza" foi preso por Mouzinho de Albuquerque, o governador português do distrito militar de Gaza. Deportado para a capital portuguesa, Ngungunhane  e a sua comitiva foram expostos à curiosidade popular. Cruzaram Lisboa numa jaula antes de serem exibidos no Jardim Botânico de Belém.

Ngungunhane passou o resto da sua vida no exílio em Portugal. Aprendeu a ler e escrever e foi convertido à força ao cristianismo e batizado com o nome de Reinaldo Frederico Gungunhana. O "Leão de Gaza" morreu vítima de hemorragia cerebral, a 23 de dezembro de 1906.

Samora Machel, Presidente de Moçambique de 1975 a 1986Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam

Como se tornou um herói da luta anti-colonial? Samora Machel pediu, na época, ao seu homólogo português o retorno das ossadas de Ngungunhane à sua pátria. O processo foi moroso e dada a impossibilidade de encontrar os restos mortais foi recolhido simbolicamente um punhado de terra no cemitério dos Açores. A urna foi enviada para Maputo em 1985, por altura do décimo aniversário da independência do país.

Para a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o movimento que lutou pela independência do país e o partido que se mantém no poder desde a independência em 1975, Ngungunhane sempre foi visto como um herói, uma fonte de inspiração durante a guerra de libertação e depois durante a guerra civil. Figuras proeminentes da política moçambicana surgiram na província de Gaza de Ngungunhane: Eduardo Mondlane, co-fundador e primeiro presidente da FRELIMO, Samora Machel e Joaquim Chissano, primeiro e segundo presidentes de Moçambique.

Ngungunhane é uma figura controversa? Segundo o escritor moçambicano Mia Couto, a memória de Ngungunhane foi concebida para promover a unidade nacional entre as novas gerações. Contudo, vários especialistas consideram que o objetivo ficou longe de alcançar. Um século depois da derrota de Ngungunhane, a sua resistência ao colonialismo é ainda lembrada pela violenta opressão de muitos dos seus súbditos. Em 1995, celebrando os 100 anos da resistência do Império de Gaza, o ex-Presidente Joaquim Chissano inaugurou um busto de Ngungunhane em Mandlakazi, na província de Gaza. No entanto, alguns dias depois, foi vandalizado pelos habitantes locais. 

Várias batalhas levaram ao estabelecimento do Império de Gaza no sudeste de África, o segundo maior império de África durante o século XIX. Num ambiente de violência e traição, Ngungunhane, também conhecido como o "Leão de Gaza", subiu ao poder em 1884, tendo governado por 11 anos.

Ngungunhane: herói moçambicano que enfrentou os portugueses

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O reinado de Ngungunhane coincidiu com o momento alto do interesse europeu pelo continente africano. Neste contexto, explicao  escritor moçambicano Mia Couto, o Imperador provou ser um diplomata hábil, pois "soube tirar partido daquilo que eram as forças internas". "A maneira como ele usou a influências das diferentes potências colonais, como ele jogou com Inglaterra e Portugal e fazendo alianças que depois eram renegociadas. Acho que ele tinha uma astúcia enorme em relação à gestão do poder", afirma.

Má fama

No entanto, Ngungunhane também era contestado. E foi-lhe apontado o dedo por usar os mesmos métodos que os europeus. Segundo Mia Couto, o "Leão de Gaza" empreendeu "um colonialismo interno, africano, dominando todo um conjunto de povos que foram subjogados de uma maneira ou de outra. Uns com alguma violência, outros sem grande violência, mas por alianças, sistemas de casamentos, etc".

Escritor moçambicano Mia CoutoFoto: DW/J. Beck

Um ponto também citado por Gerhard Liesgang, historiador alemão e professor em Moçambique, que, em entrevista à DW África, lembra que o "nome Ngungunhane é também utilizado como uma pessoa que não obedece às leis". De acordo com o docente, "a fama de Ngungunhane não é a de um rei justo, mas de um rei que aterrorizava o seu próprio país".

A longo prazo, o reino de Gaza acabou por ser dominado pelos invasores portugueses. Depois de várias batalhas, Ngungunhane foi derrotado pelas forças coloniais, em 1895, e preso em Chaimite, local onde o seu avô, o fundador do império de Gaza, foi enterrado. Naquela época, Ngungunhane já havia perdido a lealdade de muitos do seu próprio povo.

Exílio em Portugal

Ngungunhane e a sua comitiva foram levados para Lisboa, onde foram exibidos publicamente. Depois foram transferidos para a ilha Terceira, no arquipélago dos Açores. Enquanto esteve preso, Ngungunhane aprendeu a ler e escrever e foi convertido à força ao cristianismo. Morreu, vítima de uma hemorragia cerebral, a 23 de dezembro de 1906.

A sua história poderia ter terminado nos Açores, uma vez que, e por várias décadas, a sua morte caiu no esquecimento. No entanto, e quase 70 anos depois, Moçambique conquistou a sua independência. E é nesta altura que o nome de Ngungunhane volta a aparecer. "Há um acidente histórico: o primeiro Presidente de Moçambique nasceu em Gaza e no período da luta contra a RENAMO achava que era bom ter um herói moçambicano como uma espécie de modelo", explica o historiador Gerhard Liesgang.

Acatando o pedido de Samora Machel, o primeiro Presidente de Moçambique, foi recolhido um punhado de terra do cemitério nos Açores, como símbolo dos restos mortais de Ngungunhane, e levado para Moçambique, a tempo da comemoração do décimo aniversário da independência do país, a 15 de junho de 1985. Machel queria um herói para promover a unidade nacional. Mas sendo Ngungunhane uma figura controversa, amada por uns e odiada por outros, não cumpriu esse objetivo, tendo acaba por ser esquecido mais uma vez. Demasiado esquecido, na opinião de alguns.

O projeto "Raízes Africanas" é financiado pela Fundação Gerda Henkel.

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