Nigéria: Boko Haram semeia terror e tensão entre comunidades
Thomas Mösch | Henry-Laur Allik
14 de janeiro de 2017
A incursão do grupo terrorista nigeriano a Mubi, no nordeste do país, em 2014, deixou marcas até aos dias de hoje. Aos poucos, Mubi ergue-se, mas crescem tensões entre cristãos e muçulmanos, segundo as autoridades.
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Mubi é segunda maior cidade do estado federado nigeriano de Adamawa e o centro económico da região. Reina uma grande azáfama e o trânsito é intenso. Se à primeira vista parece ser uma cidade como todas as outras, depressa o visitante nota os edifícios em ruínas na via principal. Durante a incursão do grupo extremista nigeriano Boko Haram, em 2014, os terroristas não se limitaram ao saque. Explodiram muitas construções.
Numa das numerosas igrejas da cidade, o pastor Shawulu Auta Ndahi prepara a missa. Nas cadeiras brancas de plástico estão sentadas cerca de 50 mulheres em trajes coloridos. As paredes ainda estão negras do fogo posto, mas o telhado foi renovado.
O pastor lembra-se bem da entrada em Mubi do Boko Haram, no dia 29 de outubro de 2014. Foi a correr buscar os filhos à escola e tentou fugir da cidade. Por todo o lado se ouviam tiros e explosões, conta. As crianças gritavam de medo. E de repente deparou-se com um grupo de combatentes.
"Penso que um anjo se sentou no meu lugar ao volante. Acelerei e eles saíram do caminho. Quando passei começaram a disparar contra nós. Temi que me acertassem nos pneus. Mas deus protegeu-nos", conta o pastor Shawulu Auta Ndahi, que fugiu para Yola, a capital de Adamawa.
O plano dos insurgentes era transformar Mubi, perto da fronteira com os Camarões e do estado federado nigeriano de Borno, em capital do califado auto-proclamado.
Muitos perderam quase tudo e não têm apoio
Duas semanas mais tarde, o exército reconquistou Mubi, mas o pastor só regressou três meses depois. A igreja tinha sido incendiada, a sua casa estava em ruínas, Ndahi perdeu tudo o que tinha. É uma experiência pela qual passou muita gente em Mubi.
Nigeria Leben nach Boko Haram - MP3-Mono
Mas pelo menos os cristãos voltam agora a sentir-se em segurança, diz Anointing Bitrus, presidente da associação cristã CAN. Mas Bitrus queixa-se de que não recebem assistência das autoridades pelos danos materiais e psíquicos sofridos. "Não veio aqui um único rerpesentante do governo regional. Ninguém se encontrou connosco para nos apoiar. Ninguém”, protesta Bitrus.
Umas ruas mais adiante, o emir Abubakar Ahmadu recebe no seu palácio de betão cinzento os dignatários da sua região na habitual audiência de sexta-feira. Ahmadu defede que a situação em Mubi voltou ao normal. "Aqui em Mubi não há como reconhecer quem é cristão ou muçulmano, somos uma sociedade intacta. Há famílias onde um irmão é muçulmano e outro cristão. Não vamos entrar em guerra uns com os outros. Eu sou o emir de Mubo e trato todos por igual", diz Abubakar Ahmadu, que não vê problemas entre cristãos e muçulmanos.
Mas Ahmed Sajoh, ministro da Informação em Yola, não está tão descontraído. Ele próprio é da região e sabe que desde o assalto do Boko Haram cresceram as tensões entre as duas comunidades religiosas. O seu Governo trabalha com as autoridades religiosas para normalizar as relações. Sanjoh rejeita as queixas dos cristãos: "Penso que esperam que ajudemos financeiramente a reconstruir as igrejas. Nós queremos fazê-lo. Mas os nossos recursos são limitados", justifica o ministro.
Reféns do Boko Haram libertados na Nigéria: "Ainda dói"
As 293 mulheres e crianças libertadas na semana passada pelo exército nigeriano das mãos do Boko Haram foram levadas para um campo de refugiados perto da cidade de Yola. Mas o seu sofrimento está longe de terminar.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
O sorriso perdido
"O que se percebe imediatamente é que as crianças aqui quase não riem", conta um funcionário do acampamento de Malkohi, na periferia da cidade nigeriana de Yola. Cerca de metade das perto de 300 pessoas que eram mantidas em cativeiro pelo Boko Haram tem menos de 18 anos. Um terço das crianças no acampamento sofre de desnutrição.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Primeiros dias de vida no acampamento
Lami Musa é mãe da mais recente moradora do acampamento de Malkohi. Deu à luz na semana passada. Um dia depois foi salva por soldados nigerianos. Durante a operação de resgate várias mulheres foram mortas pelos terroristas. "Apertei firmemente a minha filha contra o meu corpo e inclinei-me sobre ela", recorda a jovem mãe.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Filho perdido durante o cativeiro
Halima Hawu não teve tanta sorte. Um dos seus três filhos foi atropelado enquanto os terroristas a raptavam. Durante a operação de resgate um soldado nigeriano atingiu-a numa perna, porque os membros do Boko Haram usam as mulheres como escudos humanos. "Ainda dói, mas talvez agora o pior já tenha passado", espera Halima Hawu.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Poucos alimentos para as crianças
Babakaka, de três anos, teve de passar seis meses com o Boko Haram. Só raramente havia algum milho para as crianças, contam antigos prisioneiros. Quando foram libertados pelos soldados, Babakaka estava quase a morrer de fome. Babakaka continua extremamente fraco e ainda não recebeu tratamento médico adequado no acampamento.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Sobrevivência por um triz
A mãe de Babakaka foi levada para o Hospital de Yola juntamente com cerca de outras vinte pessoas gravemente feridas. Durante a fuga, alguém que seguia à sua frente pisou uma mina. A explosão foi tão forte que a mulher ficou gravemente ferida. Perdeu o bebé que carregava.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Roupas usadas do Ocidente
Exceptuando algumas doações de roupas velhas, ainda não chegou muita ajuda internacional às mulheres e crianças do acampamento de Malkohi. Aqui há falta de muitas coisas, sobretudo de pessoal médico. Não há qualquer vestígio do médico de serviço no acampamento. Apenas duas enfermeiras e uma parteira mantêm em funcionamento o posto de saúde temporário.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Dependentes de voluntários
"Não entendo por que motivo o nosso serviço de emergência nacional não faz mais", reclama a assistente social Turai Kadir. Por sua própria iniciativa, Turai Kadir chamou uma médica para tratar das crianças mais desnutridas. Na verdade, essa é a tarefa da NEMA, a agência nigeriana de gestão de emergências, que está sobrecarregada.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
"Incrível capacidade de resistência"
Regina Musa voltou há poucos meses dos Estados Unidos para dar aulas de Psicologia na Universidade de Yola. Agora, a psicóloga presta aconselhamento psicológico a mulheres e crianças. "As mulheres têm demonstrado uma incrível capacidade de resistência", diz Musa. Durante o período traumático, muitas delas também se preocupavam com os filhos de outras pessoas. Autor: Jan-Philipp Scholz (em Yola)