Milhões desviados por ex-ditador nigeriano Sani Abacha para o estrangeiro estão a ser transferidos de volta. Serão agora distribuídos pela população mais pobre. Mas há quem acuse o Governo de aproveitamento.
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Ramatu Usman vive em Gwagwa, uma pequena localidade nos arredores da capital da Nigéria, Abuja, e, até há poucas semanas, não sabia como seria o dia de amanhã. Mas as coisas mudaram: Ramatu conseguiu comprar duas cabras, no mês passado, e uma delas até "já teve um cabritinho", conta orgulhosa.
A nigeriana vende leite de cabra no mercado e, com os lucros, compra comida para os três filhos. Além disso, começou um negócio de venda de sabão e especiarias na rua - é melhor do que nada, refere.
Ramatu é uma das centenas de milhares de pessoas que estão a receber cinco mil nairas do Estado nigeriano, o equivalente a 12 euros - esta é uma pequeníssima fração dos mais de dois mil milhões de euros que o antigo ditador Sani Abacha terá desviado para o estrangeiro até morrer, em 1998 - sobretudo para contas na Suíça. Recentemente, o país começou a devolver parte desse dinheiro, o equivalente a 270 milhões de euros, que serão agora distribuídos pela população mais pobre na Nigéria, com a supervisão do Banco Mundial.
Uma "chuva" de dinheiro?
O dinheiro ajudará a criar empregos, afirma Maryam Uwais, que coordena a distribuição do chamado "saque de Abacha" em representação da Presidência nigeriana.
"Trata-se de lutar contra pobreza", diz. "Muitas pessoas precisam apenas de um pouco de capital para poderem começar um pequeno negócio, para darem comida melhor aos filhos, para poderem comprar medicamentos."
Para uns, distribuir o dinheiro desviado é uma forma de a Nigéria se reconciliar com o passado ao mesmo tempo que faz algo digno das histórias do Robin dos Bosques, que combatia a injustiça e tirava o dinheiro aos mais ricos para o dar aos mais pobres. Mas para outros, como o ativista nigeriano Mohammed Jamo, distribuir o "saque de Abacha" não passa de um gesto simbólico, para tentar mascarar outros problemas no país.
"Em vez disso, o Governo deveria investir na rede de distribuição elétrica, que está debilitada, e nas infraestruturas. Porque esse dinheiro não ajuda os muitos jovens que estão no desemprego, sem perspetivas", comenta.
Mais de 80 milhões de nigerianos (quase metade da população) vivem com menos de dois dólares por dia. E, segundo o ativista, o Estado, rico em petróleo, tem feito pouco para os ajudar.
"Na Nigéria, só há um hospital público, que está sempre cheio", lamenta Auwal Musa, da organização Transparência Internacional na Nigéria. "Por que não usar esse dinheiro para construir seis novos hospitais? Ou um sistema de abastecimento de água razoável nos bairros mais pobres? Em vez disso, comete-se o mesmo erro que na altura do grande boom do petróleo, nos anos 70, em que se distribuiu simplesmente o dinheiro, em vez de se investir. Praticamente, o dinheiro evaporou, trouxe mais corrupção, mas nenhum emprego."
Nigéria: Dinheiro de ditador distribuído pelos mais pobres
Auwal Musa, da Transparência Internacional na Nigéria, teme que os 270 milhões de euros do "saque de Abacha" possam ser utilizados como "prenda" eleitoral: "O que o Governo está a tentar é o seguinte: no início da campanha, distribui dinheiro rápido pelos pobres. Mas isso não é sustentável", comenta.
Musa lembra que vários Governos nigerianos já tentaram desempenhar o papel de Robin dos Bosques, mas nunca o fizeram de forma convincente. Além disso, no passado, já houve outras parcelas do "saque de Abacha", que foram devolvidas à Nigéria pela Suíça. Mas, até hoje, ninguém sabe exatamente para onde foi o dinheiro.
Milionários na África Subsaariana
Em muitos países ao sul do deserto do Saara a pobreza segue opressiva. Contudo, o número dos milionários na região nunca foi tão grande, segundo estudo do instituto New World Wealth.
Foto: DW
África do Sul
O país do continente africano com o maior número de milionários é a África do Sul. Entre a Cidade do Cabo e Johanesburgo, vivem 46.800 pessoas de patrimônio líquido elevado, ou "high-net-worth individuals" (HNWIs), e a tendência é ascendente. Para efeito de comparação, na Alemanha, atualmente 1,1 milhão de pessoas dispõem de um capital líquido de 1 milhão de dólares ou mais.
Foto: picture-alliance/dpa
Nigéria
Segundo a revista americana de economia "Forbes", o homem mais rico da África é o nigeriano Aliko Dangote (foto). Sua fortuna, acumulada principalmente com o comércio de alimentos, cimento e petróleo, é estimada em 18,2 bilhões de dólares. Ele é um dos 15.400 HNWIs da Nigéria – a qual, por outro lado, atualmente é um dos países africanos com o maior número de refugiados na Europa.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Von Loebell/World Eco
Quênia
A fortuna dos 8.500 milionários do Quênia equivale a dois terços do desempenho econômico do país – uma quota extremamente elevada. Enquanto esses quenianos mais ricos acumulam, em média, 83 milhões dólares por cabeça, quase metade da população dispõe de menos de dois dólares por dia.
Foto: Fotolia/vladimir kondrachov
Angola
O boom do petróleo em Angola provocou um acentuado crescimento do número dos super-ricos desde a virada do século 21. Atualmente há 6.400 HNWIs angolanos, quase seis vezes mais do que há 15 anos. Lá também vive a mulher mais rica do continente: Isabel dos Santos (foto), filha do presidente José Eduardo, que tem uma fortuna 3,2 bilhões de dólares.
Foto: picture-alliance/dpa
Maurícia
Apesar de só ter 1,3 milhão de habitantes, a República da Maurícia, no Oceano Índico, reúne 3.200 milionários, a taxa mais alta no contexto africano. O setor turístico é o que mais floresce. Além, disso, há anos o Estado insular é conhecido como paraíso fiscal.
Foto: picture-alliance/Ria Novosti/Anton Denisov
Namíbia
A mineração é o principal setor industrial da Namíbia, responsável por 25% do desempenho econômico total do país. Diamantes são seu principal produto de exportação. Com pouco mais de 2 milhões de habitantes, a ex-colônia alemã tem 3.100 cidadãos com um patrimônio líquido superior a 1 milhão de dólares.
Foto: picture-alliance/dpa/Y. Smityuk
Etiópia
Novata entre as dez nações com mais super-ricos na África Subsaariana é a Etiópia. Graças a uma relativa estabilidade política e a investimentos estrangeiros, desde 2003 a economia etíope cresce constantemente. Seus milionários chegam a 2.800 – enquanto 30% de seus compatriotas seguem vivendo na pobreza.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Gana
Ouro, petróleo e cacau em grão são os principais produtos de exportação de Gana, e também fonte da riqueza de um bom número de seus cidadãos. Hoje há 2.700 milionários ganenses, quatro vezes mais do que 15 atrás. Além de matérias-primas, muitos acumularam seu patrimônio nos setores imobiliário e de serviços.
Foto: imago/Xinhua
Botsuana
Há 2.500 milionários vivendo em Botsuana. Principalmente a indústria de diamantes produziu numerosos super-ricos nos últimos anos. Apesar de uma quota elevadíssima de infecções com o vírus HIV e do grande número de desempregados, o país registra a quarta maior renda per capita da África Subsaariana.
Foto: AFP/Getty Images
Costa do Marfim
A guerra civil na Costa do Marfim terminou há oito anos, e desde então a economia nacional está em expansão. O país ostenta 2.300 "high-net-worth individuals", cifra que deverá continuar subindo nos próximos anos. O petróleo é o principal fator de crescimento do país.