Nigéria: Poluição petrolífera leva a mortalidade infantil
Muhammad Bello | Richard Furst
28 de outubro de 2017
Relatório de universidade suíça lança o alerta: milhares de crianças estão a morrer devido aos derramamentos de petróleo na região do Delta do Níger.
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Os efeitos do derramento de petróleo são cada vez maiores sobre a mortalidade infantil na região do Delta do Rio Níger, na Nigéria. Mesmo assim, a exploração e a extração de petróleo não param. O problema já era claro, mas, pela primeira vez, um relatório da Universidade de Sankt Gallen, na Suíça, aponta que milhares de crianças estão a morrer devido à poluição petrolífera.
O vazamento na produção de petróleo não contamina apenas os recursos hídricos: os moradores também estão expostos aos produtos químicos nocivos encontrados no petróleo bruto através do contato direto com a pele ou pelo consumo de vegetais poluídos. Muitos também inalam o fumo libertado pela queima de óleo.
Mortes poderiam ser evitadas
16 mil crianças morreram ainda no primeiro mês de vida, no ano de 2012. 70% destes menores teriam sobrevivido o primeiro ano de vida se não fosse o derramamento de petróleo, no Delta do Níger.
O estudo conclui que os derramamentos de petróleo num raio de 10 km são capazes de aumentar fortemente o risco de mortalidade infantil.
"Venho de uma comunidade onde a água está totalmente contaminada", diz Ankio Briggs, uma nigeriana do Delta ativista na campanha contra a poluição do meio ambiente resultante das operações das companhias petrolíferas.
"Cresci bebendo de um poço na casa dos meus avós, nas décadas de 50 e 60, antes da guerra civil. Costumávamos tirar um balde inteiro de água limpa e bebíamos. Hoje, tenho que comprar água engarrafada, não posso mais beber de uma fonte natural", conta a ativista. "O pior de tudo é que a minha experiência pessoal é a mesma de milhões de pessoas", conclui.
Saúde em perigo
Estudos anteriores associaram os derramamentos de petróleo na Nigéria a um aumento de casos de cancro e à diminuição do nível de espermatozóides, especialmente entre a população residente na região de exploração do petróleo.
Kie Oboe, do estado de Rivers, na Nigéria, destaca a preocupação sobre os riscos para a saúde devido à forte poluição: "Recentemente começámos a ter cinzas negras cobrindo toda a cidade e arredores. Isto é o resultado da poluição provocada pela exploração do petróleo. Uma questão muito séria, porque afeta diretamente a nossa saúde, o meio ambiente e tudo o que fazemos”.
Reportagem Derramamento de Oleo Nigeria Mata Criancas - MP3-Mono
Autoridades médicas afirmam que "qualquer produto químico que atravesse a placenta influencia no desenvolvimento do embrião e do feto. Isto é ainda mais grave no momento da formação do feto em que as células se dividem e se diferenciam em tecidos específicos dos sistemas nervoso, circulatório e imunológico".
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o embrião, o feto ou a criança são particularmente sensíveis a concentrações de produtos químicos tóxicos. O petróleo bruto e seus componentes causam defeitos congénitos e mudanças no desenvolvimento fetal.
Nesta pesquisa da Universidade suíça, as empresas petrolíferas foram consideradas culpadas pela poluição do Delta do Níger devido à negligência no planeamento e manutenção dos gasodutos e outras infraestruturas petrolíferas. Já o Governo Federal da Nigéria é o segundo culpado pelo fracasso no controlo e segurança das empresas petrolíferas, bem como a falha na prevenção de roubo de petróleo e sabotagens que ocorrem regularmente.
Ogoniland – O dia a dia após o derrame de petróleo
Apesar de gerar receitas, o petróleo também causa desilusão na região de Ogoniland, no Delta do Níger. A pesca tornou-se quase impossível nas águas contaminadas e o ar está poluído pelos gases tóxicos da queima de gás.
Foto: Katrin Gänsler
Pesca ineficaz
A aldeia de Bodo, na Nigéria, sempre viveu da pesca. Mas desde os derrames de petróleo no Delta do Níger, em 2008 e 2009, as redes dos pescadores estão vazias. Quem hoje em dia ainda pretende viver da pesca tem de ir para o mar, o que significa mais horas de trabalho e custos mais elevados.
Foto: Katrin Gänsler
Dependentes da água
Bodo fica na região de Ogoniland, no Delta do Níger, no extremo sudeste do país. Aqui, quase todos os canais do Níger estão contaminados por petróleo. E as pessoas sempre viveram na e com a água. Ainda hoje muitos vilarejos só são acessíveis por barco.
Foto: Katrin Gänsler
Manchas de petróleo por toda a parte
O caso do derrame de petróleo em Bodo e noutras partes de Ogoniland também foi abordado pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA). Num relatório publicado em agosto de 2011, o PNUMA recomendou que o governo e as petrolíferas disponibilizem mil milhões de dólares para trabalhos de limpeza. No entanto, as manchas de petróleo, que reluzem na água, continuam até agora.
Foto: Katrin Gänsler
O meio ambiente não tem interesse na Nigéria
Saint Emmah Pii, o chefe da aldeia de Bodo, está zangado. “Estamos todos a morrer aqui. Bebemos água contaminada. Inalamos fumos tóxicos. A culpa é do petróleo.” Fora de Bodo, no entanto, ninguém parece preocupado. “Até ao momento, nem o governo em Abuja nem mesmo as multinacionais se interessaram pelos nossos problemas”, lamenta o chefe da aldeia.
Foto: Katrin Gänsler
Nada funciona sem o ouro negro
Desde o início da produção de petróleo, em 1958, a Nigéria tornou-se no oitavo exportador de petróleo no mundo. O Estado depende fortemente do ouro negro, do qual advém 90% das receitas de exportação. Cerca de 80% dos impostos do país derivam da produção do crude. Oleodutos como estes no estado de Rivers têm, portanto, de ser tolerados.
Foto: Katrin Gänsler
Na sombra das chamas de gás
Em todo o Delta do Níger, chamas como estas aparecem de repente. E não importa se a aldeia mais próxima fica a poucas centenas de metros de distância. Aqui, a queima de gás é oficialmente proibida desde 1984. Porém, 28 anos depois, ninguém se preocupa com o cumprimento da lei.
Foto: Katrin Gänsler
Tão ricos, tão pobres
Furioso, Chukwuma Samuel mostra as chamas de metros de altura com as quais ele e toda a aldeia têm de viver perto da pequena cidade de Egbema. “Olhem para as pessoas aqui. Elas estão indignadas”, diz, apontando para o pequeno mercado em que se encontra. “Estamos a sofrer aqui. Temos de lutar. Para nós, não sobra nada da riqueza do petróleo.”
Foto: Katrin Gänsler
O povo deve decidir
As petrolíferas não gostam de ouvir que não se importam com as pessoas. Portanto, o Grupo Shell anunciou um programa chamado GMoU - "Memorando de Entendimento Global". Os municípios recebem o dinheiro e decidem eles mesmos o que fazer com ele. Na maior cidade do Delta do Níger, Port Harcourt, o Hospital de Obio Cottage foi renovado. Todos os pacientes elogiam o empenho da Shell.
Foto: Katrin Gänsler
Bodo sem qualquer apoio
Contudo, a Bodo não chegou qualquer apoio, critica Kentebe Ebiaridor da organização de defesa ambiental Environmental Rights Action (ERA). E a maior prova disso são as margens sujas de petróleo. "As pessoas estão desiludidas", diz.
Foto: Katrin Gänsler
Petróleo barato do governo
Que a Nigéria é um país produtor de petróleo, os nigerianos só o notam nos preços da gasolina subsidiados pelo Estado. Até o final de 2011, um litro de gasolina custava 65 nairas (32 cêntimos). No início de 2012, o governo acabou com uma parte dos subsídios. Isto causou uma onda de protestos. Atualmente o litro custa 97 nairas (50 cêntimos), bem menos do que em muitos outros países de África.
Foto: Katrin Gänsler
A sonhar com uma pequena loja
Franziska Zabbey nada sabe sobre os preços da gasolina barata. Vive da terra e raramente sai de Bodo. O dinheiro que ganha mal lhe chega para sobreviver. “Se a Shell nos pagar uma indemnização pelo derrame de petróleo, eu poderia abrir uma pequena loja”, espera. Tudo o resto teria pouco futuro em Bodo.
Foto: Katrin Gänsler
Pescadores para sempre
Apesar de ser quase impossível viver da pesca, os barcos de pesca de Bodo são bem preservados. Quando voltarão a poder ser usados como antigamente não se sabe bem. As Nações Unidas estimam que irá demorar entre 25 e 30 anos até Ogoniland ficar limpa do petróleo.