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PolíticaNigéria

Candidatos presidenciais não primam pela diferença

Henry-Laur Allik
13 de julho de 2022

Os dois maiores partidos nigerianos escolheram candidatos às presidenciais de modo a tirar partido nas urnas das divisões étnicas e religiosas. Ficam por apresentar programas concretos para resolver os muitos problemas.

Kombobild | Hauptkandidaten für die nigerianische Präsidentschaftswahlen Bola Tinubu und Atiku Abubakar
Bola Tinubu (esquerda) e Atiku Abubakar são os dois principais candidatos à presidência da Nigéria

Para as eleições gerais marcadas para 25 de fevereiro de 2023, o partido no poder, Congresso de todos os Progressistas (APC, na sigla inglesa), nomeou para candidatos à presidência e vice-presidência respetivamente o septuagenário Bola Tinubu de 70 anos, antigo governador do estado federado de Lagos, e Kashim Shettima, de 55 anos.

Ambos são muçulmanos, o que contraria a prática estabelecida nas últimas décadas de nomear sempre um cristão e um muçulmano para um dos cargos, alegadamente para garantir a união do país.

O maior partido da oposição, o Partido Democrático Popular (PDP), escolhera o muçulmano Atiku Abubakar, de 75 anos, juntamente o com o cristão Ifeanyi Arthur Okowa, governador do estado federado do Delta desde 2015. Estratégias eleitorais complicadas informaram as opções das duas formações políticas.

Os candidatos foram cuidadosamente escolhidos pelos seus partidos para garantir a máxima quantidade de votos nos seus respetivos redutos. "Há aqui uma aritmética eleitoral étnica, religiosa e geográfica muito interessante", disse à DW o analista de segurança Ryan Cummings. "Atualmente ela parece favorecer Tinubu em termos do seu perfil étnico e de quem escolheu como companheiro nas eleições".

O APC espera que, como candidato à vice-presidência, Kashim Shettima assegure votos importantes no NorteFoto: Reuters/A. Sotunde

Um desenvolvimento 'infeliz'

O analista nigeriano Tukur Abdelkadir, da Universidade de Kaduna, afirma que todos estes estratagemas na nomeação de candidatos são um desenvolvimento recente e "infeliz" na política da Nigéria. Até à viragem do século, a religião não desempenhava qualquer papel na política, disse.

"As lideranças dos ex-Presidentes Olusegun Obasanjo e Jonathan Goodluck, e do Presidente Muhammadu Buhari, não ajudaram em nada a reconciliação nacional", disse Abdelkadir à DW, referindo-se às profundas divisões étnicas e religiosas no país, que em anos recentes conduziram a uma violência crescente. Para o analista, os políticos aprenderam a tirar partido de divisões que eles próprios fomentaram desnecessariamente.

Debates públicos acesos

Tinubu, um muçulmano iorubá do sudoeste da Nigéria, pretende suceder a Buhari, que completa no próximo ano os dois mandatos previstos pela Constituição.

Shettima é ex-governador do estado federado de Borno, um dos mais afetados pela revolta jihadista de 13 anos do grupo terrorista Boko Haram, que, até agora, matou 40.000 pessoas e obrigou 2,2 milhões a fugir das suas casas. O APC espera que a sua escolha caia nas boas graças dos corretores de poder no Norte, uma região que representa um grande bloco eleitoral na nação da África Ocidental e garantiu a eleição de Buhari.

A decisão do APC de nomear dois muçulmanos, em vez de um cristão e um muçulmano, desencadeou um debate público aceso. Mas o partido sabe que as o APC é pouco popular no Sul, que, de resto, regista regularmente uma fraca adesão às urnas. 

O Presidente Buhari (com máscara) absteve-se de nomear um candidato para a sua sucessãoFoto: Nigeria Prasidential Villa

Uma oportunidade para terceiros?

Um terceiro candidato poderá vir a beneficiar da desilusão e do descontentamento no sul do país: Peter Obi, de 60anos, ex-governador do estado de Anambra, abandonou o PDP para se candidatar à presidência pelo Partido Trabalhista (LP).

Obi tem vindo a mobilizar os eleitores mais jovens, sobretudo urbanos e digitalizados, que não se revêm nos candidatos septuagenários do "establishment". "Obi tem bastante seguidores sobretudo no sul da Nigéria", disse Cummings, apontando que o candidato poderá beneficiar da decisão do APC de não nomear um cristão. A possibilidade de ganhar as eleições contra os dois maiores partidos são remotas, mas "Obi poderá vir a desempenhar o papel de fiel da balança".

A sua influência aumentará se a corrida entre os principais candidatos se revelar apertada, como parece provável. Para além de terem desenvolvido estratégias para cancelar as bases eleitorais um do outro, Tinubu e Abubakar têm mais semelhanças do que diferenças. Os dois são muçulmanos, septuagenários, membros veteranos da elite política, e suficientemente ricos para financiar campanhas tradicionalmente muito dispendiosas.

Ambos são a favor de políticas económicas muito mais liberais do que aquelas propostas pelo Presidente Buhari, com uma abordagem fortemente protecionista e nacionalista. Esta posição dos candidatos é também um sinal para os investidores externos, especialmente ocidentais, de que não haverá necessidade de apoiar um em detrimento do outro. 

Economia e corrupção

A estratégia parece estar a funcionar. "Independentemente do resultado eleitoral, a trajetória política [económica] irá mudar fundamentalmente", escreve o centro de pesquisa Financial Derivatives Company numa nota. "É provável que sejam descartadas as políticas protecionistas da última década".

Os dois principais candidatos prometem liberalizar a economiaFoto: PIUS UTOMI EKPEI/AFP

Ambos os candidatos também já foram investigados por suspeita de corrupção, no caso de Tinubu muito recentemente, em junho.

"A perceção é que se trata de dois bilionários que exploram os cargos públicos para, basicamente, satisfazer as suas próprias aspirações políticas e económicas", disse Cummings.

O envolvimento dos candidatos em escândalos financeiros reforçou as acusações de que Buhari não cumpriu a sua promessa eleitoral de combater a corrupção sem tréguas e alimentou ainda mais a apatia dos eleitores.

Acresce a falta de segurança em todo o país, onde a violência continua a fazer manchetes, outro obstáculo sério à participação eleitoral. Em 2019, apenas 35% dos eleitores foram às urnas. Os analistas contam com uma participação ainda mais fraca em fevereiro de 2023.

Para o analista Cummings trata-se de um perigo para a democracia, porque a baixa participação alimenta a ideia que o Governo eleito carece de legitimidade: "É definitivamente uma preocupação séria para o progresso do país ", disse Cummings. Impacta ainda negativamente "na resiliência e força das instituições políticas, já muito enfraquecidas por causa dos conflitos violentos em toda a Nigéria".

Para além de prometer um aumento da segurança, nenhum dos candidatos apresentou ainda um plano concreto para enfrentar a violência generalizada que assola o país na forma de terrorismo islamita, banditismo e conflitos étnicos. Mas tendo em conta a aproximação das eleições, é muito provável que a questão ocupe, em breve, um lugar de destaque.