Nigéria: Shell compensa comunidades por derrames de petróleo
Mimi Mefo | Eric Topona | af
13 de agosto de 2021
A gigante petrolífera anglo-holandesa Shell concordou em pagar cerca de 95 milhões euros às comunidades do sul da Nigéria, como compensação por derrames de petróleo que ocorreram nos anos 1970.
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A Shell concordou esta quinta-feira (12.08) em pagar 95 milhões de euros a comunidades no sudeste da Nigéria cujas terras foram devastadas por derrames de petróleo na década de 1970, anunciaram advogados das duas partes. A decisão marca o fim de uma disputa legal que durou cerca de 13 anos, envolvendo a petrolífera e as comunidades afetadas por derramames de crude.
Em janeiro deste ano, um tribunal holandês ordenou à Shell que compensasse aquelas comunidades pelos impactos ambientais que os derrames causaram em grande parte do Delta do Níger.
O porta-voz da comunidade Ejama-Ebubu, do Estado de Rivers, uma das que ganhou a batalha judicial com a Shell, Lucius Nwosu, afirmou que o pagamento marcava o "acordo completo e definitivo" para as vítimas.
A petrolífera, no entanto, continua a negar a sua reponsabilidade pelos derrames, considerando que os incidentes foram provocados por terceiros, durante a guerra do Biafra.
Que impacto na população?
Tundé Fatundé, professor na Universidade de Lagos e colunista no The Guardian, entende que o valor da compensação que a Shell vai pagar às comunidades não é suficiente, mas representa um primeiro passo.
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"O Movimento pela Sobrevivência do Povo Ogoni está feliz com a decisão. Em 2015, a Shell já tinha concordado em pagar 63 milhões de euros de compensação, mas a empresa sempre defendeu que a sabotagem dos oleodutos pela população local era a principal causa da poluição do Delta do Níger", explica. "Neste momento, procura-se saber como será gasto o dinheiro da indemnização - e qual será o impacto deste valor para as comunidades atingidas".
À DW África, o advogado Chima Williams, defensor dos direitos ambientais, esclarece que "alguns dos queixosos já indicaram que o dinheiro da compensação será utilizado para recuperação das as suas vidas, acima de tudo".
"Este valor beneficiará mais ou menos a todos, porque há coisas que foram destruídas que eram de uso comum. Por exemplo, a água ficou poluída; se a partir do dinheiro houver fornecimento de água, é claro que essa beneficiará toda comunidade", acrescenta.
O advogado alerta, no entanto, que é preciso uma boa planificação dos projetos das comunidades, antes do desembolso do valor, uma vez que "muitas pessoas vão preferir ter o valor em mãos para depois tentar criar os seus negócios".
Um incentivo para todas as comunidades
Ann Kio Briggs, também ambientalista, duvida que toda gente nas comunidades tire benefícios deste montante: "Essa compensação será paga a qualquer pessoa que tenha levado a Shell a tribunal, seja na Nigéria ou fora da Nigéria. A compensação irá para quem ou qualquer comunidade que tenha conseguido vencer o processo judicial contra a Shell".
O Delta do Níger é a região africana produtora de petróleo mais importante e um dos lugares mais poluídos do mundo. Desde que o petróleo foi descoberto na região, há mais de 50 anos, os derrames e a queima de gás têm devastado o meio ambiente e vidas das pessoas. KenTebe Ebiarido, responsável pelo projeto de defesa dos direitos ambientais Friends of The Earth (em português, Amigos da Terra) defende que, inspiradas na batalha vencida contra a Shell, todas as comunidades afetadas pelos derrames de petróleo podem agora procurar justiça.
"Sinto que é um bom desenvolvimento para o sistema de justiça ambiental, também sentimos que é uma boa saída para que as comunidades possam procurar justiça onde quer que a queiram obter", sublinha.
Em 2008 e 2009, dois enormes derramaes de petróleo na cidade pesqueira de Bodo, em Ogoniland, no sul da Nigéria, tiveram um impacto catastrófico sobre os rios, matando peixes e outras espécies aquáticas.
Na semana passada, o Supremo Tribunal britânico garantiu que alguns agricultores do Delta do Níger poderiam processar a Shell em qualquer tribunal superior do Reino Unido por qualquer violação das leis ambientais.
Ogoniland – O dia a dia após o derrame de petróleo
Apesar de gerar receitas, o petróleo também causa desilusão na região de Ogoniland, no Delta do Níger. A pesca tornou-se quase impossível nas águas contaminadas e o ar está poluído pelos gases tóxicos da queima de gás.
Foto: Katrin Gänsler
Pesca ineficaz
A aldeia de Bodo, na Nigéria, sempre viveu da pesca. Mas desde os derrames de petróleo no Delta do Níger, em 2008 e 2009, as redes dos pescadores estão vazias. Quem hoje em dia ainda pretende viver da pesca tem de ir para o mar, o que significa mais horas de trabalho e custos mais elevados.
Foto: Katrin Gänsler
Dependentes da água
Bodo fica na região de Ogoniland, no Delta do Níger, no extremo sudeste do país. Aqui, quase todos os canais do Níger estão contaminados por petróleo. E as pessoas sempre viveram na e com a água. Ainda hoje muitos vilarejos só são acessíveis por barco.
Foto: Katrin Gänsler
Manchas de petróleo por toda a parte
O caso do derrame de petróleo em Bodo e noutras partes de Ogoniland também foi abordado pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA). Num relatório publicado em agosto de 2011, o PNUMA recomendou que o governo e as petrolíferas disponibilizem mil milhões de dólares para trabalhos de limpeza. No entanto, as manchas de petróleo, que reluzem na água, continuam até agora.
Foto: Katrin Gänsler
O meio ambiente não tem interesse na Nigéria
Saint Emmah Pii, o chefe da aldeia de Bodo, está zangado. “Estamos todos a morrer aqui. Bebemos água contaminada. Inalamos fumos tóxicos. A culpa é do petróleo.” Fora de Bodo, no entanto, ninguém parece preocupado. “Até ao momento, nem o governo em Abuja nem mesmo as multinacionais se interessaram pelos nossos problemas”, lamenta o chefe da aldeia.
Foto: Katrin Gänsler
Nada funciona sem o ouro negro
Desde o início da produção de petróleo, em 1958, a Nigéria tornou-se no oitavo exportador de petróleo no mundo. O Estado depende fortemente do ouro negro, do qual advém 90% das receitas de exportação. Cerca de 80% dos impostos do país derivam da produção do crude. Oleodutos como estes no estado de Rivers têm, portanto, de ser tolerados.
Foto: Katrin Gänsler
Na sombra das chamas de gás
Em todo o Delta do Níger, chamas como estas aparecem de repente. E não importa se a aldeia mais próxima fica a poucas centenas de metros de distância. Aqui, a queima de gás é oficialmente proibida desde 1984. Porém, 28 anos depois, ninguém se preocupa com o cumprimento da lei.
Foto: Katrin Gänsler
Tão ricos, tão pobres
Furioso, Chukwuma Samuel mostra as chamas de metros de altura com as quais ele e toda a aldeia têm de viver perto da pequena cidade de Egbema. “Olhem para as pessoas aqui. Elas estão indignadas”, diz, apontando para o pequeno mercado em que se encontra. “Estamos a sofrer aqui. Temos de lutar. Para nós, não sobra nada da riqueza do petróleo.”
Foto: Katrin Gänsler
O povo deve decidir
As petrolíferas não gostam de ouvir que não se importam com as pessoas. Portanto, o Grupo Shell anunciou um programa chamado GMoU - "Memorando de Entendimento Global". Os municípios recebem o dinheiro e decidem eles mesmos o que fazer com ele. Na maior cidade do Delta do Níger, Port Harcourt, o Hospital de Obio Cottage foi renovado. Todos os pacientes elogiam o empenho da Shell.
Foto: Katrin Gänsler
Bodo sem qualquer apoio
Contudo, a Bodo não chegou qualquer apoio, critica Kentebe Ebiaridor da organização de defesa ambiental Environmental Rights Action (ERA). E a maior prova disso são as margens sujas de petróleo. "As pessoas estão desiludidas", diz.
Foto: Katrin Gänsler
Petróleo barato do governo
Que a Nigéria é um país produtor de petróleo, os nigerianos só o notam nos preços da gasolina subsidiados pelo Estado. Até o final de 2011, um litro de gasolina custava 65 nairas (32 cêntimos). No início de 2012, o governo acabou com uma parte dos subsídios. Isto causou uma onda de protestos. Atualmente o litro custa 97 nairas (50 cêntimos), bem menos do que em muitos outros países de África.
Foto: Katrin Gänsler
A sonhar com uma pequena loja
Franziska Zabbey nada sabe sobre os preços da gasolina barata. Vive da terra e raramente sai de Bodo. O dinheiro que ganha mal lhe chega para sobreviver. “Se a Shell nos pagar uma indemnização pelo derrame de petróleo, eu poderia abrir uma pequena loja”, espera. Tudo o resto teria pouco futuro em Bodo.
Foto: Katrin Gänsler
Pescadores para sempre
Apesar de ser quase impossível viver da pesca, os barcos de pesca de Bodo são bem preservados. Quando voltarão a poder ser usados como antigamente não se sabe bem. As Nações Unidas estimam que irá demorar entre 25 e 30 anos até Ogoniland ficar limpa do petróleo.