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"Ninguém nasce racista, tornamo-nos racistas"

Ali Farhat
19 de março de 2021

Lilian Thuram, campeão mundial de futebol pela França, sofreu o racismo na pele e viu o seu filho Marcus ter que lidar com o mesmo na Bundesliga. O antigo defesa acredita que a solução passa pela educação.

Frankreich Lilian Thuram Ex-Fußballspieler
Foto: CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images

"A primeira coisa que pensei ao ver meu filho tomar essa atitude foi: 'Está um homem'", disse Lilian Thuram, referindo-se à forma como Marcus celebrou um golo que marcou no dia 31 de maio de 2020.

Thuram júnior tinha acabado de marcar para o Borussia Mönchengladbach contra o Union Berlin na primeira liga alemã, quando se ajoelhou, baixou a cabeça e ergueu o punho. Tratou-se de uma homenagem a George Floyd, morto seis dias antes pela polícia nos Estados Unidos, mas também de um protesto contra a violência policial e o racismo.

"Quando se é pai, diz-se coisas aos filhos, mas nunca se sabe realmente se eles as aceitam", disse Thuram. "Mas por sorte [Marcus] ouviu-me, especialmente agora, porque a geração mais nova repara nestas coisas por causa das redes sociais".

Thuram, de 49 anos, vencedor do Campeonato do Mundo com a França em 1998, estava a falar diretamente com essa geração via internet numa chamada por Zoom com estudantes das escolas francófonas de Saint-Benoît e Pierre Loti em Istambul, na Turquia.

A chamada é parte do projeto "EMICE+" (Educação nos Media, Informação e Cidadania Europeia), integrado no programa Erasmus a nível europeu, que junta jovens estudantes de todo o continente. A infância de Thuram foi muito diferente.

Marcus Thuram, do Borussia Mönchengladbach, aliou-se ao pai na luta contra o racismo Foto: Marius Becker/dpa/picture-alliance

Alguém me chamou de "negro sujo"

Thuram nasceu em Pointe-à-Pitre, no departamento francês ultramarino de Guadalupe. Inicialmente não foi confrontado com questões relacionadas com a cor da sua pele. A sua primeira experiência de racismo ocorreu aos nove anos, quando a família se mudou para a França continental.

"Um dia, na escola, alguém me chamou de negro sujo", recorda. "Eu não compreendi. Quando disse à minha mãe, ela disse que era assim que as coisas eram, que não iam mudar. Não creio que essa tenha sido a melhor resposta".

Lilian Thuram acredita que é possível mudar as coisas, desde que se tenha presente um facto básico: "Ninguém nasce racista; tornamo-nos racistas". Para o antigo defensor do Mónaco, Parma, Juventus e Barcelona, o racismo é uma construção sócio-histórica, uma "hierarquia para atribuir papéis às pessoas de acordo com a cor da pele". Thuram diz sentiu claramente essa categorização no futebol na sua juventude.

Sobe a frequência dos jogos interrompidos pelos jogadores quando colegas são alvo de racismoFoto: picturealliance/dpa/PRO SHOTS

"Ouvi muitas vezes os treinadores comentarem que se um jogador negro não estava a trabalhar suficientemente no treino, era porque os jogadores negros são todos preguiçosos. Ou dizia-se que os jogadores negros tinham certos atributos físicos devido à cor da sua pele: eram fisicamente fortes, não porque tivessem trabalhado arduamente ou estivessem determinados a ter sucesso; era porque eram negros. Havia muitos estereótipos. Alguns eram 'positivos' - mas estereótipos na mesma".

Thuram insiste que nunca foi tratado de forma racista por outros jogadores. "Quando se joga profissionalmente, passa-se muito tempo com os colegas de equipa e todos têm o mesmo objetivo. Por isso, mesmo que haja preconceitos, ninguém admite que eles ponham em causa os objetivos".

Mas quando jogou na Itália, ouviu nas bancadas o público a imitar macacos. "Voltei furioso ao balneário. Os meus colegas de equipa diziam que não era sério. Compreendo porque o fizeram: queriam proteger-me. Mas penso que hoje qualquer jogador - mesmo que não seja vítima de racismo - compreenderá que é muito mau e que tem que acabar".

Mensagem de esperança

É por isso que, depois de se retirar da competição profissional em 2008, fundou a Fundação Lilian Thuram, que não só pretende denunciar o racismo, como também educar as pessoas sobre as suas causas e consequências.

"Somos todos produtos da nossa história e é importante conhecer a história do racismo", explica. "Infelizmente, ela não é ensinada nas escolas. E é por isso que eu digo que as pessoas não nascem racistas, elas tornam-se racistas. Nem percebem que dão condicionadas".

Muitos clubes opõem-se ao racismo de alguns do seus adeptosFoto: Franck Fife/AFP/Getty Images

Thuram acredita que há progressos. Por exemplo, num incidente recente num jogo da Liga dos Campeões entre Paris Saint-Germain (PSG) e Basaksehir em Istambul, a cidade natal dos estudantes que o escutavam online, os jogadores do PSG saírem do campo depois de um membro da equipa técnica ter sido sujeito a linguagem racista.

"Todos abandonaram o campo juntos - foi uma mensagem de esperança", disse Thuram. "Por vezes, basta o jogo parar. Mas nem sempre é óbvio que isso acontecerá, e as instituições responsáveis nem sempre querem que o jogo pare. O futebol é um negócio e o negócio dita que o jogo deve continuar, passando por cima de quaisquer problemas".

Questionado por um dos estudantes sobre quais eram as suas expectativas para o futuro da sua fundação, respondeu simplesmente: "Que deixe de ter motivo para existir".

Por outras palavras, Thuram anseia pelo dia em que o seu filho Marcus não se tenha que ajoelhar mais na Bundesliga.