Em entrevista à DW, o ativista angolano Nito Alves, que esteve várias semanas em Lisboa, considerou as próximas eleições gerais no seu país um simulacro eleitoral, porque haverá fraudes para dar vitória ao MPLA.
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Manuel Nito Alves, do grupo dos 17 ativistas condenados por atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores, qualifica como "um simulacro” as eleições em Angola. Critica o regime de José Eduardo dos Santos, que prendeu e condenou sete jovens por terem exigido que o ato eleitoral de agosto próximo seja livre e transparente. O ativista cívico angolano pede a libertação imediata dos referidos jovens e lamenta, entretanto, o silêncio dos partidos da oposição, da sociedade civil e de organizações não governamentais, bem como da imprensa nacional e internacional face a novas violações dos Direitos Humanos,
A recente detenção de sete jovens, membros da designada Comissão Nacional dos Ativistas Angolanos, condenados a 45 dias de prisão efetiva por terem exigido eleições livres e transparentes, faz parte da estratégia de intimidação perpetrada pelo regime no poder em Angola, no ano em que se realizam eleições no país, afirma em entrevista à DW África o jovem ativista."Considero que sim, prendendo e intimidando as pessoas para elas não protestarem enquanto decorrer o processo eleitoral. O regime pode estar mais feroz, praticamente a perseguir os ativistas, os políticos, os cidadãos que pensam diferente. Ainda assim, digo também que as baterias estão carregadas e vamos até as últimas consequências políticas face ao regime de José Eduardo dos Santos e o seu MPLA. Ou libertam os jovens que estão presos ou prendem todos os ativistas, a sociedade civil em geral e o povo angolano", disse Nito Alves.
Caraterísticas de um Estado ditatorial
Manuel Chivonde Baptista Nito Alves, mais conhecido por "Nito Alves”, foi o primeiro do grupo dos 17 ativistas angolanos a entrar em greve de fome assim que foi preso, em junho de 2015. "Nito Alves” considera que esta é uma das características de um Estado ditatorial, porque os referidos jovens apenas defendem a liberdade de expressão."Por parte do partido no poder não espero absolutamente algo de bom. Só espero algo de ridículo e nojento – desculpe a expressão. Sendo um Estado autoritário e ditatorial, na pessoa do general Kopelipa, do general José Maria ou do Leopoldino ou do [indivíduo] que mandou matar os meus amigos Isaías Cassule e Alves Kamulingue, só um ingénuo pode acreditar na sensibilidade de Eduardo dos Santos para haver liberdade em Angola".
Liberdade depende dos próprios angolanos
Nito Alves diz que os ativistas têm plena consciência de que a liberdade em Angola "depende dos próprios angolanos". Entretanto, o ex-preso político diz estar "abatido psicologicamente” devido ao silêncio à volta das novas detenções e violações dos direitos humanos no seu país."Não consigo compreender como é que se encontram presos sete jovens, que defendiam a liberdade e eleições justas e transparentes, e os partidos na oposição do meu país – falo da UNITA, CASA-CE, PRS, Bloco Democrático e outros 'partidecos' que estão na oposição – não dizem absolutamente nada. As organizações não-governamentais e alguns supostos grupos de pressão ao Governo não dizem absolutamente nada. A imprensa nacional e internacional, aquela que temos como independente, também não dizem absolutamente nada."
02.05.2017 Nito Alves - entrev. DW-Lisboa - MP3-Mono
Por outro lado, Nito Alves, que esteve várias semanas em Lisboa, pede a união efetiva de todos os partidos da oposição, a exemplo do que aconteceu no Senegal, como estratégia possível para derrubar e afastar José Eduardo dos Santos. No entanto, as próximas eleições, no seu entender, são um simulacro eleitoral, porque haverá fraudes para dar vitória ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que assim se manterá por mais tempo no poder.
As t-shirts do julgamento dos 15+2
O julgamento dos ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião iniciou na segunda-feira (16.11). Ao mesmo tempo, começou um desfile de t-shirts de protesto, dentro e fora do tribunal. Veja as fotos do processo.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir"
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro", afirmou o ativista Luaty Beirão no primeiro dia do julgamento. Luaty e outros 16 ativistas são acusados de prepararem uma rebelião contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Defensores dos direitos humanos dizem que o caso tem motivações políticas. Em protesto, um ativista escreveu na farda prisional: "Recluso do Zédu".
Foto: DW/P.B. Ndomba
Presunção da inocência
Outro ativista escreveu na farda prisional "in dubio pro reo [princípio da presunção da inocência]. Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre." Ele é um dos 15 jovens detidos desde junho. Até à detenção, os ativistas costumavam encontrar-se aos sábados; um dos tópicos dos debates semanais era o livro "Da Ditadura à Democracia", do académico norte-americano Gene Sharp.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Nova acusação por causa das t-shirts?
À acusação que os ativistas angolanos já enfrentam, de alegados atos preparatórios para uma rebelião, poderá agora somar-se uma outra: a do crime de danos, por escrever frases de intervenção na farda dos serviços prisionais. A informação foi avançada por David Mendes, um dos advogados dos jovens.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Mais t-shirts fora do tribunal
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
#LiberdadeJa
Sem t-shirts feitas para a ocasião, mas com cartazes, houve ainda quem pedisse "liberdade já!" para os ativistas angolanos, no exterior da 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda. Essas são também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
Método n.º 159
Luaty Beirão (ao centro) é outro dos 15 jovens detidos desde junho. Ele cumpriu 36 dias de greve de fome em protesto contra o excesso de prisão preventiva dos ativistas. Com a greve de fome de Luaty, o caso ganhou proporções internacionais. Jejuns e greves de fome estão listados no livro "Da Ditadura à Democracia" como o método n.º 159 de "intervenção não violenta".
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Sala de imprensa improvisada
O julgamento dos 15+2 é tido como um dos casos mais mediáticos da história de Angola. No entanto, os jornalistas ficam à porta. O tribunal autorizou-os a estar na sala de audiências para assistir às primeiras horas do julgamento, mas agora só poderão voltar a entrar na fase das alegações finais e na leitura do acórdão. Diplomatas estrangeiros também não puderam entrar.
Foto: DW/P.B. Ndomba
"Momento decisivo"
Estava previsto que o julgamento dos 15+2 terminasse esta sexta-feira, 20 de novembro, mas deverá prolongar-se. Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, este caso é um "momento decisivo" para o sistema judicial de Angola: "Os juízes angolanos devem demonstrar independência e não permitir que este julgamento seja manipulado como um instrumento para silenciar as vozes críticas."