Jornalista angolano Rafael Marques está no Brasil para falar sobre presença da empresa brasileira Odebrecht em Angola. Encontro acontece no momento em que denúncias contra Lula são levadas à justiça.
Publicidade
O tema do debate "A presença da Odebrecht em Angola” torna-se ainda mais atual diante das denúncias levadas à Justiça pelo Ministério Público do Brasil contra o ex-presidente Lula, acusado de ter atuado junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para garantir a liberação de financiamento para a realização de obras executadas pela Odebrecht em Angola. Ao todo, Lula é acusado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e corrupção passiva, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF) brasileiro.
À DW, o jornalista Rafael Marques falou sobre suas investigações envolvendo a Odebrecht em Angola, que será o tema do evento a ser realizado dia 15.10, na agência de jornalismo investigativo "A Pública”, no Brasil.
Para Marques, um aspeto crítico nesses investimentos do BNDES seria o fato de que grande parte dos fundos de construção civil e reabilitação de estradas não correspondem aos valores das estradas em Angola. No entanto, ele diz não ter conhecimento de nenhum documento específico que prove o favorecimento do ex-presidente Lula.
"Eu não tenho conhecimendo de nenhum documento específico que aponte para o envolvimento do ex-presidente Lula em casos de corrupção em Angola. Todavia, não deixa de ser estranho que um indivíduo com a reputação que o Lula tinha logo após a sua saída da presidência, aceitasse o convite do Presidente José Eduardo dos Santos para falar em sua fundação (a Fundação Eduardo Santos) que várias vezes foi denunciada como um antro para a satisfação do ego e do poder corrupto do Presidente José Eduardo dos Santos”.
Relações privilegiadas
O angolano acrescenta que a empresa Odebrecht sempre foi favorecida em Angola e que a relação privilegiada de presidentes brasileiros acontece há anos. Segundo ele, a Odebrecht é uma das principais multinacionais da corrupção em Angola e mantém relação estreita com o Presidente José Eduardo dos Santos.
O jornalista investigativo critica a aproximação de Lula a José Eduardo dos Santos e se diz decepcionado, assim como muitos angolanos.
"Sim, esperava mais dele. A política brasileira sempre foi extremamente corrupta. Mas havia a esperança de que Lula contribuísse para melhoria do espectro político brasileiro, para que a política brasileira fosse mais séria, mais virada para os cidadãos desfavorecidos”.
Rafael Marques está no Brasil a convite Agência A Pública, uma das agências de jornalismo investigativo mais importantes do Brasil. A diretora Natália Viana traduziu os documentos do Wikileaks nesse país. Por sua série de reportangens em Angola, ela foi finalista do prêmio de Jornalismo Gabriel Garcia Marques e aponta violações graves de direitos humanos em áreas de atuação da Odebrecht:
"O que está muito claro na nossa investigação é o quanto a Odebrecht se beneficou com traços de violações de direitos humanos massivos com o Governo angolano, e que não teria existido se não fosse o apoio do Estado brasileiro. A começar pela ditadura e depois de todos os governos democráticos”.
Sobre a relação entre os dois países, Rafael Marques diz que a corrupção tem efeitos diferentes no Brasil e em Angola: "Aqui no Brasil os efeitos da corrupção não têm levado à morte de milhares de pessoas, mas em Angola a corrupção mata. E mata porque a população é privada de recursos básicos para sua subsistência, para sua sobrevivência”.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".