Nova barragem põe em risco sustentabilidade do rio Zambeze
Leonel Matias (Maputo)
12 de setembro de 2018
As organizações Justiça Ambiental e Amigos da Terra Moçambique alertam para o impacto da construção da barragem de Mpanda Nkuwa no ecossistema. Projeto poderá afetar diretamente entre 1400 e 2000 pessoas ou famílias.
Publicidade
O novo alerta chegou depois dos recentes pronunciamentos do chefe de Estado, Filipe Nyusi, e de outros atores sobre as intenções do Executivo em avançar com a construção da barragem de Mpanda Nkuwa, no rio Zambeze. Num comunicado conjunto, as organizações não-governamentais Justiça Ambiental e Amigos da Terra Moçambique voltaram a apontar o dedo ao projeto.
Em entrevista à DW África, Anabela Lemos, diretora executiva da organização Justiça Ambiental, afirma que a "barragem vai trazer desgraças para o país e para o povo". Frisando que existem muitas lacunas desde o primeiro estudo de viabilidade realizado em 2002, Anabela Lemos explica que se mantêm sem resposta algumas das questões levantadas pela sociedade civil, nomeadamente, se o rio Zambeze terá água e recursos naturais para produzir a energia projetada.
Impacto ambiental
Outra das preocupações prende-se com o facto da região onde se prevê a construção da nova barragem ter já um considerável risco sísmico, que poderá aumentar substancialmente com a edificação do projeto. "O rio Luia é o único rio livre que entra no Zambeze, o resto está com barragens e cortados. Então, é o único rio que traz alguns sedimentos para a vida do rio. Os sedimentos são a base da sustentabilidade do rio e também não vão existir porque vão cortar", explica a diretora da Justiça Ambiental.
Nova barragem põe em risco sustentabilidade do rio Zambeze
A somar aos argumentos já citados estão os relatórios das Nações Unidas e da International Rivers, que indicam que o Zambeze é um dos rios de África que mais impactos vai sofrer com as mudanças climáticas, prevendo-se cheias e seca severa.
Famílias afetadas
A organização não-governamental Justiça Ambiental estima que, para além do impacto no ecossistema, o projeto poderá afetar diretamente entre 1400 e 2000 pessoas ou famílias que dependem exclusivamente da agricultura e da pesca na região.
Para Anabela Lemos, é uma ilusão pensar que a construção da nova barragem vai resolver os problemas do país, até porque, conforme referiu, entre 80 e 85% da produção deste empreendimento será para exportação para a África do Sul e a uma tarifa mínima.
Aos olhos desta responsável, existem alternativas: "Somos um país com sol e com vento, nós já fizemos um estudo em 2009 que dá um cenário do país inteiro e que recursos energéticos nós podemos usar. Além de mais, a energia para ser barata tem que ser descentralizada", diz.
O comunicado da Justiça Ambiental e Amigos da Terra Moçambique refere ainda que, caso o Governo insista em avançar com o projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa, deve realizar antes um estudo de impacto ambiental cuidadoso, imparcial, sério e inclusivo. O Executivo de Filipe Nyusi deverá ainda esclarecer de onde vem o investimento para o projeto e porque razão é uma prioridade para o país, se foram equacionadas outras alternativas. Deve ainda ser explicado qual o real propósito da barragem e que hipotéticas mais-valias o Governo julga que trará para o país a curto e médio prazo, incluindo como será rentabilizado.
As maiores barragens de África
Nilo, Congo, Zambeze: os rios africanos guardam grande potencial para a produção de energia. Os governos reconhecem isso e apostam cada vez mais em megaprojetos. Um panorama das maiores centrais hidroelétricas de África.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Grande Represa do Renascimento, na Etiópia
No sudoeste da Etiópia, está a ser erguida aquela que será a maior barragem de África. A construção da Grande Represa do Renascimento começou em 2011 e deve ser concluída em 2017. A barragem localiza-se perto da fronteira com o Sudão, no Nilo, e terá uma potência de 6.000 megawatts (MW). O reservatório será um dos maiores do continente, com capacidade para armazenar 63 quilômetros cúbicos de água.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Represa Alta de Assuão, no Egito
A Represa Alta de Assuão é atualmente a barragem mais potente de África. Está localizada perto da cidade de Assuão, no sul do Egito. O lago atrás da barragem pode armazenar até 169 quilómetros cúbicos de água. Seu maior afluente é o Rio Nilo. As turbinas têm uma capacidade de 2.100 megawatts. A construção durou onze anos e a inauguração foi em 1971.
Uma das maiores barragens do mundo está localizada na província de Tete. A hidroelétrica Cahora Bassa, no rio Zambeze, tem uma potência de 2.075 megawatts, pouco menos que a Represa Alta de Assuã, no Egito. A maior parte da energia gerada é exportada para a África do Sul. No entanto, sabotagens durante a guerra civil impediram a produção de eletricidade por mais de dez anos, a partir de 1981.
Foto: DW/M. Barroso
Represa Gibe III, na Etiópia
A barragem Gilgel Gibe III fica 350 quilômetros a sudoeste da capital etíope, Addis Abeba. Foi concluída em 2016 e pode gerar um máximo de 1.870 megawatts, tornando-se a terceira maior barragem em África. A construção durou quase nove anos e foi financiada a 60% pelo Banco de Exportação e Importação da China, China Exim Bank.
Foto: Getty Images/AFP
Kariba, entre a Zâmbia e o Zimbabué
A barragem de Kariba fica na garganta do rio Zambeze, entre a Zâmbia e o Zimbabué. Tem 128 metros de altura e 579 metros de comprimento. Cada país tem sua própria central eléctrica. A estação norte, da Zâmbia, tem capacidade total de 960 megawatts. A estação sul, do Zimbabué, tem capacidade total de 666 megawatts. As obras de expansão em 300 megawatts começaram em 2014 e devem terminar em 2019.
Foto: dpa
Inga I e Inga II na RDC
As barragens Inga consistem de duas represas. Inga I tem capacidade para produzir 351 megawatts e Inga II, 1424 megawatts. Foram encomendadas em 1972 e 1982, como parte do plano de desenvolvimento industrial do ditador Mobutu Sese Seko. Mas, atualmente, atingem apenas 50% de seu potencial energético.
Foto: picture-alliance/dpa
Inga III
Inga I e Inga II localizam-se perto da foz do rio Congo e ligadas às cataratas Inga. O governo congolês já planeia o lançamento de Inga III, com custo de 13 mil milhões de euros e capacidade de 4.800 megawatts. Juntas, as três barragens seriam a central hidroelétrica mais potente de África.
Merowe no Sudão
O Sudão também depende fortemente de energia eólica com duas grandes barragens no país: Merowe no Rio Nilo (na foto) tem uma capacidade de 1.250 MW e foi construída por uma empresa chinesa. Ainda maior é a barragem de Roseires no Nilo Azul, que desde a sua construção em 1966 foi várias vezes ampliada e conta atualmente com turbinas que têm uma potência total de 1.800 MW.
Foto: picture-alliance/dpa
Akosombo, no Gana
A oitava maior barragem de África é Akosombo, no Gana. Construída na garganta do Rio Volta, a represa teve como resultado o Lago Volta - o lago artificial do mundo, com área de 8.502 quilómetros quadrados. As seis turbinas têm uma capacidade combinada de 912 megawatts. Além de gerar eletricidade, a barragem também protege contra inundações.
Foto: picture-alliance / dpa
Represa Tekezé, na Etiópia
Outra represa grande de África está localizada na Etiópia. A barragem Tekeze encontra-se entre as regiões de Amhara e Tigré. Apesar de seus impressionantes 188 metros de altura, a capacidade máxima da hidrelétrica é de 300 megawatts e, assim, apenas um vigésimo da potência da Grande Represa do Renascimento. A represa entrou em funcionamento em 2009.