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Angola: Fiscalizar sem responsabilizar é "aberração"

17 de julho de 2021

Evento promovido pelo Movimento dos Estudantes Angolanos debateu a revisão da Constituição angolana este sábado. Na sua apresentação, deputado David Mendes explicou detalhes do texto em avaliação no TC e teceu críticas.

Angola | Debatte über Verfassungsänderung
Foto: Manuel Luamba/DW

"Revisão Pontual da Constituição de Angola – Avanços e Recuos" – foi o tema debatido, este sábado (17.07), em Luanda. Os participantes analisaram alguns pontos polémicos do documento final da proposta de revisão da Constituição angolana.   

David Mendes, deputado independente e advogado, começou a sua apresentação por lembrar que "têm competência para propor a revisão da Constituição, em primeiro lugar o Presidente da República e em segundo lugar os deputados".  

Entretanto, se a iniciativa for dos deputados, precisa do apoio de um terço deles, o que corresponde a 74 dos 220 legisladores da Assembleia Nacional, para avançar. Um número do qual oposição não dispõe.   

Quando se propôs a revisão pontual da Constituição, muitas questões foram levantadas. O Presidente angolano, João Lourenço, pediu que se revisassem cerca de 30 artigos da Carta Magna de 2010 ainda em vigor.  

"Quem propõem a revisão constitucional fixa os limites que ele próprio requer", explicou David Mendes.  

Na altura, muitos cidadãos, incluindo aqueles integrados em partidos da oposição, também exigiram a revisão da forma de eleição do Presidente da República, por exemplo. Atualmente, é eleito chefe de Estado o cabeça de lista do partido ou coligação de partidos mais votado nas eleições gerais.

Poderiam os deputados exigir outras alterações?  "No meu entendimento não. Embora não seja constitucionalista. Mas as regras processuais, sou processualista, dizem que as decisões fixam-se no pedido. Se o Presidente fez um pedido determinado, a decisão não pode ir além do pedido", revelou.  

Parlamento angolanoFoto: DW/B. Ndomba

Fiscalização sem responsabilização

A texto da nova Constituição resultante da revisão pontual já está no Tribunal Constitucional para a sua devida fiscalização. 

A versão final do documento continua envolta em polémica. Segundo o deputado David Mendes, a nova Constituição já prevê que os deputados fiscalizem a execução orçamental por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Entretanto, "desta fiscalização não resulta nenhuma responsabilidade política", disse. 

"Imaginemos que haja uma comissão de inquérito, uma fiscalização da atuação pública de um determinado ministério, que daí se chegue à conclusão que o ministro ou aquele ministério está agir de forma a prejudicar o Estado. Por exemplo, no domínio da corrupção, fez negócios indevidos, fez negócios que afetaram o Estado. O Parlamento não pode exigir a exoneração do ministro. Essa é a chamada não responsabilização política. Eu acho isso uma aberração porque se eu fiscalizo e da minha fiscalização não resulta consequência nenhuma, então, não estou a fiscalizar", considerou.  

Artigo 179º

Outra norma constitucional que continua a suscitar debate é o Artigo 179º que prevê a jubilação dos juízes aos 70 anos. Segundo David Mendes, os magistrados judiciais, deixam de trabalhar quando atingem esta idade, mas continuam a usufruir de todas as regalias.  

"Eu não concordo. Tanto é que eu não concordo sequer que um juiz do Tribunal Constitucional se jubile", adianta.  

"Imaginemos que alguém por mérito, tenha trabalhado dois ou três anos na profissão, vá para o Tribunal Constitucional por indicação de um partido político. Trabalha sete anos como juiz e a partir daí tem a vida feita. Não precisa trabalhar mais porque mantém aquele estatuto até a morte", critica.  

O legislador considera isso "desigual": "Uns trabalham a vida toda para a reforma e você trabalha sete anos e se jubila".

David Mendes (à dir.) e o moderador do evento, Cláudio Fortuna (à esq.)Foto: Manuel Luamba/DW

Eleições autárquicas 

A institucionalização das autarquias continua a merecer debates em Angola, sobretudo, pela forma como o Governo pretende que sejam implementadas. O partido no poder, o MPLA, defende autarquias em apenas nalguns municípios numa primeira fase. Mas a oposição quer em todos os municípios.  

A verdade é que, na nova Constituição, o gradualismo foi retirado. David Mendes, explica que a retirada deste princípio anula os debates sobre gradualismo geográfico ou funcional.  

"Estando retirado da Constituição, passa para uma esfera de discussão política no Parlamento. Quer dizer, a maioria do voto decide o que quer", afirmou.  

E acrescentou: "muitos sentiram-se felizes porque saiu da Constituição o gradualismo. (Mas) não facilitaram a discussão na perspetiva daqueles que defendem autarquias em todo espaço nacional. Facilitaram aqueles que defendem autarquias de forma faseada". 

Declarar o voto

David Mendes terminou a sua exposição dizendo que os limites constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a independência do territorial foram respeitados na revisão pontual.  

Apesar de admitir, no princípio da sua dissertação, que o seu posicionamento era meramente académico, Mendes não se esqueceu de deixar recados a quem não votou contra a nova Constituição. Para ele, a oposição esteve em cima do muro no momento da votação do novo diploma constitucional.   

"Mas vão dizer que nos abstivemos. Abstenção é um voto de cobardia. Não é peixe e nem é carne. Quem quer se posicionar declara o seu voto: Ou é favor, ou contra. Agora, esse de estar por cima do muro é cobardia", atacou.

Joaquim Lutambi (arquivo)Foto: DW/M. Luamba

Adesão do público

No auditório da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho, estavam presentes estudantes, ativistas e professores. Joaquim Lutambi, vice-presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA), que organizou o evento, diz que a adesão superou as expectativas. 

"Estávamos com a sala cheia, nós não contávamos com isso por se tratar de um dia como hoje, sábado, e, por sinal, a universidade não está aberta, porque estão de férias. E essa adesão é boa", regozijou-se. 

Lurdes Lameira é professora e uma das participantes ao debate.  

"Foi uma preleção coerente, sem muito fanatismo sobre o tema. Conseguimos entender como foi feita a revisão da Constituição e os pontos ainda polémicos", disse. 

Por outro lado, Lurdes entende que o Estado precisa investir mais no sector da Educação, não apenas para que se tenha melhores condições de trabalho para os professores como também, reduzir o número de cidadãos, fundamentalmente crianças, fora do sistema normal de ensino. Também entende que é preciso que o Estado respeite mais os direitos dos cidadãos.  

"O Estado ainda reprime manifestação de professores, quando reivindicam os seus direitos, e estudantes quando lutam contra as cobranças nos estabelecimentos de ensino públicos e privados", avaliou.

Para além de David Mendes, participariam do debate o deputado do MPLA e jurista João Pinto, bem como o constitucionalista e professor universitário Albano Pedro. A DW África, perguntou a Joaquim Lutambi o motivo da ausência dos dois académicos. 

"Nós, comissão de organização, não temos até ao momento uma justificação plausível por parte dos dois convidados. Não sabemos, de concreto, o que se passou," respondeu.

Revisão da Constituição angolana corresponde às expetativas?

04:30

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