Conselho Militar de Transição sudanês e movimento de contestação que pede uma liderança civil assinaram na capital do país, Cartum, um documento que estabelece os contornos para um acordo de partilha de poder.
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A cerimónia desta quarta-feira (17.07.) aconteceu depois de uma maratona negocial durante a noite, marcando um importante passo para o alcance de um governo de transição civil, três meses depois de os militares afastarem o então Presidente, Omar al-Bashir.
O documento assinado pretende estabelecer um conselho soberano conjunto entre civis e militares e que deverá governar o Sudão durante cerca de três anos, até às próximas eleições.
Este conselho soberano de 11 membros seria encabeçado por um militar nos primeiros 21 meses e por um líder civil nos 18 meses seguintes.
O acordo representa uma cedência de uma das principais reivindicações dos manifestantes, que exigiam uma passagem imediata do poder para os civis.
O movimento de contestação deverá nomear membros do Governo, com os dois lados a acordar um corpo legislativo dentro dos três meses seguintes ao início da transição.
Desafios
Ainda assim, militares e oposição civil ainda não alcançaram um acordo quanto à divisão de poderes entre o conselho soberano, o Governo e o corpo legislativo, que deve estar consagrado num documento constitucional.
Este documento deverá ainda estabelecer os termos de uma potencial imunidade para os líderes militares quanto à violência que em junho matou mais de cem pessoas.
"Esta é a grande barreira. O futuro do Sudão após al-Bashir vai ser definido por esta declaração constitucional", afirmou Rasha Awad, editor do jornal sudanês Altaghyeer, citado pela agência Associated Press.
As organizações responsáveis pelos protestos acusam os militares de matar pelo menos 128 pessoas durante as manobras de repressão das manifestações em junho, um número rejeitado pelas autoridades, que registaram 61 mortos, entre os quais três membros das forças de segurança.
Ambos os lados defendem uma investigação da violência usada.
"Nova era"
A assinatura do acordo foi transmitida pela televisão estatal sudanesa e surge depois de um encontro apadrinhado pelos Estados Unidos, Reino Unido, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
"Estamos a entrar numa nova era", afirmou Ibrahim al-Amin, um dos responsáveis das negociações pelo lado das Forças da Liberdade e Mudança, uma coligação que inclui sindicatos, partidos políticos e outros grupos da sociedade civil.
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"O próximo Governo será um Governo de todos os sudaneses para todos os cidadãos. […] Sofremos o suficiente com o regime totalitário ditatorial", acrescentou.
Os militares, liderados pelo general Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, chegaram ao poder depois de derrubarem al-Bashir, sendo que uma das unidades do Conselho Militar de Transição, as Forças de Apoio Rápido (RSF) é acusada da violência no início do mês passado.
O ex-chefe de Estado do Sudão, Omar al-Bashir, foi destituído pelo Exército em 11 de abril, depois de mais de quatro meses de contestação popular, inicialmente motivada pelo aumento dos preços do pão e de outros bens essenciais. Os protestos acabaram por transformar-se num movimento contra o chefe de Estado, que liderava o país desde 1989, quando chegou ao poder através de um golpe de Estado.
Al-Bashir é alvo de dois mandados de detenção emitidos pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, cometidos durante o conflito em Darfur (oeste do Sudão).
De acordo com as Nações Unidas, o conflito causou mais de 300.000 mortos desde 2003 e obrigou cerca de 2,5 milhões de pessoas a abandonarem as suas casas.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.