Nova jornada de manifestações contra Bouteflika na Argélia
Lusa
29 de março de 2019
A Argélia prepara-se para testemunhar uma nova jornada de grandes manifestações contra a permanência no poder do Presidente Abdelaziz Bouteflika, que tem sido alvo de uma contestação inédita em 20 anos de liderança.
Foto: picture alliance/dpa
Publicidade
Esta nova jornada de protestos será importante para perceber como o povo argelino está a reagir à recente proposta do chefe do Estado-Maior do Exército argelino, o general Ahmed Gaid Salah, que pediu, na passada terça-feira, que o Presidente Abdelaziz Bouteflika seja declarado inapto para exercer as suas funções devido à sua "doença grave e duradoura".
"Torna-se necessário, até mesmo imperativo, adotar uma solução para sair da crise, que responda às exigências legítimas do povo argelino e que garanta o respeito às disposições da Constituição e à manutenção da soberania do Estado", indicou, na altura, o general Ahmed Gaid Salah, num discurso transmitido pela televisão nacional.
Abdelaziz Bouteflika (esq.) e general Ahmed Gaid SalahFoto: picture-alliance/abaca/K. Mohamed
O general, que assume a liderança do Estado-Maior do exército argelino há 15 anos, pediu nesse mesmo dia para dar início ao procedimento previsto pelo artigo 102.º da Constituição.
O artigo em questão prevê que o parlamento, sob proposta do Conselho Constitucional, declare, por maioria de dois terços, "o estado de impedimento" quando "o Presidente da República, em virtude de doença grave e duradoura, é totalmente incapaz de desempenhar as suas funções".
Face a uma contestação inédita desde a sua eleição para a chefia do Estado há 20 anos, Bouteflika desistiu de disputar um quinto mandato presidencial, mas prolongou o atual mandato ao adiar as presidenciais 'sine die' até que se realize uma "Conferência Nacional", que deverá elaborar uma nova Constituição.
Top 5 África: Os Presidentes mais velhos
01:57
This browser does not support the video element.
As presidenciais na Argélia estavam inicialmente previstas para 18 de abril. A oposição e a sociedade civil argelinas rejeitam este plano, argumentando que ele permite que Bouteflika se mantenha no poder sem eleições, além do final constitucional do seu mandato a 28 de abril.
Partido de Bouteflika cerra fileiras
A nível partidário, os últimos dias na Argélia também foram marcados por tomadas de posição. O partido de Bouteflika, que mostrou divisões em relação ao modo de saída da crise na Argélia, cerrou fileiras na segunda-feira à noite, considerando que a proposta do chefe de Estado é "a melhor".
"O roteiro (proposto pelo chefe de Estado) é a melhor solução neste momento", declarou então Hocine Khaldoun, porta-voz da Frente de Libertação Nacional (FLN). Khaldoun apelou ainda "ao conjunto das forças políticas para aderirem" ao que foi proposto por Bouteflika e rejeitou as soluções que criam "casos de vagas no seio das instituições", suscetíveis de "levarem à anarquia".
No dia seguinte, a União Nacional Democrata (RND), principal aliado do partido de Abdelaziz Bouteflika, pediu a renúncia do Presidente argelino "a fim de facilitar o período transição" no país.
Vários partidos da oposição propuseram recentemente uma saída para a crise política sem Bouteflika através de uma transição de seis meses que se iniciariam a partir da expiração do atual mandato do Presidente, cujos poderes seriam confiados a uma "instância presidencial" colegial, encarregada de organizar um escrutínio "livre e transparente".
Entretanto, na quinta-feira (28.03), o presidente do Fórum dos Empresários da Argélia (FCE), Ali Haddad, considerado um dos principais apoiantes do Presidente Abdelaziz Bouteflika, apresentou a sua demissão.
Presidentes africanos para sempre
Vários presidentes africanos governam há tanto tempo, que muitos cidadãos não conhecem outro líder do seu país. Teodoro Obiang Nguema é o líder africano há mais tempo no poder: governa a Guiné Equatorial desde 1979.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
Guiné Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Neste ano, Obiang chegou ao poder através de um golpe de estado contra o seu tio, Francisco Macías. Nas últimas eleições no país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Camarões: Paul Biya
Com o seu nascimento no ano de 1933, Paul Biya é o Presidente mais idoso do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Biya chegou ao poder em 1982. Em 2008, uma revisão à Constituição retirou os limites aos mandatos. Em 2018, Biya, foi declarado vencedor das eleições. Os Camarões atravessam uma crise com a rebelião na parte anglófona.
Foto: picture-alliance/AA/J.-P. Kepseu
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder em 1986. Em 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Assim sendo, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: picture alliance/AP Photo/B. Chol
República do Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016 na República do Congo (Brazzaville). Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997. Denis Sassou Nguesso nasceu no ano de 1943.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Antes, já teve outros cargos influentes e foi líder da Frente Patrifótica Ruandesa (FPR), a força que venceu a guerra civil no Ruanda. Em 2017, Kagame ganhou as eleições com 98,8% dos votos. Assim poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: Imago/Zumapress/M. Brochstein
Burundi: Pierre Nkurunziza
Em 2005, Pierre Nkurunziza chegou ao poder no Burundi. Em 2015, o terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o Tribunal Penal Internacional, terá causado cerca de 1.200 mortos e 400.000 refugiados. Em maio de 2018, teve lugar um referendo para alterar a Constituição, que permitiu ao Presidente continuar no cargo até 2034.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Em 2018, a Constituição do Gabão foi revista para acabar com o limite de mandatos. A nova versão da Constituição também aumentou os poderes do Presidente para tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/Reuters TV
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/N. Tadegnon
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika esteve 20 anos no poder na Argélia (1999-2019). Em 2013, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde travaram o Presidente de anunciar que iria procurar um quinto mandato em 2019. Em abril de 2019, face a protestos públicos, anunciou a sua renúncia ao cargo. Nesta altura, já teve 82 anos de idade.