Nova lei de recuperação de ativos pode favorecer corrupção
Leonel Matias (Maputo)
21 de julho de 2020
Em Moçambique, o Fórum de Monitoria do Orçamento critica a proposta de lei do Governo sobre recuperação de ativos que será enviada ao Parlamento: “Peca por tratar a corrupção e crimes conexos como ilícitos comuns”.
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O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) está a sugerir alterações na proposta de lei do Governo moçambicano sobre recuperação de ativos antes que seja submetida à aprovação na Assembleia da República de Moçambique.
A proposta estabelece o regime especial de perda alargada de bens e recuperação de ativos. Para o FMO o Governo "peca por tratar a corrupção e crimes conexos como mais uma atividade ilícita”.
Segundo a organização, a corrupção devia merecer destaque por vários motivos, entre eles o fato de ser um fenómeno enraizado na administração pública, que compromete a realização das funções básicas do Estado: oferecer segurança, justiça e bem-estar aos cidadãos.
O FMO reconhece, no entanto, que, quando aprovada e devidamente aplicada, a nova lei vai permitir rapidez na apreensão e administração de património constituído por vias ilícitas e, desta forma, desencorajar o enriquecimento ilícito.
"O que está em mãos alheias hoje, parte disso, está nas mãos de dirigentes deste país, pessoas que dirigiram o país. E tem de se ir buscar. Não deve ser menos de 5 mil milhões de dólares”, sugere o coordenador do Fórum, Adriano Nuvunga.
A lei que dilui o crime
As instituições da justiça têm alegado que a recuperação de bens adquiridos de forma ilícita é dificultada pela falta de um instrumento legal sobre a matéria. Para Nuvunga, no entanto, uma lei específica é importantes, mas "não parecia que não se agia por falta dela”.
Nova lei de recuperação de ativos pode favorecer corrupção
O FMO propôs um conjunto de alterações a proposta de lei. Nuvunga destacou, a propósito, que o crime de corrupção tem que ter um tratamento específico, porque deriva do abuso do poder público e é diferente dos demais ilícitos.
"A forma como aparece nesta proposta de lei é para o diluir. É para fazer ele perder a importância devida. Ele [o crime de corrupção] tem que estar tratado de forma distinta, bastante visível, e [deve ser] dada a importância e os contornos que merece.”
Regra pode favorecer corruptos
Outro ponto controverso na proposta de lei tem a ver com os prazos estabelecidos no capítulo relativo à perda de bens adquiridos ilicitamente. Para Nuvunga, o prazo de cinco anos é "ínfimo”. Segundo o dirigente, não raro a transferência do património é realizada antes de a pessoa ser constituída arguida.
"Nós entendemos que esse período é estabelecido desta maneira para favorecer os corruptos deste país. O período tem que ser alargado para 15 anos.”
O FMO também não quer que a responsabilidade da criação do Gabinete de Recuperação de Ativos seja atribuída ao Governo. "Quando se fica a cargo do governo, é justamente para não ter a importância devida, é para permitir que o Governo possa manipular este gabinete. Tem que ser [criado] em sede da própria lei, aprovado pela Assembleia da República. O funcionamento e orçamento têm que decorrer diretamente do Orçamento Geral do Estado.”
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)