Nova lei eleitoral angolana "desmoraliza a sociedade"
17 de novembro de 2021A oposição angolana disse não, pela segunda vez, ao Projeto de Lei que altera a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, mesmo depois de o Presidente da República, João Lourenço, ter devolvido o respetivo projeto para reapreciação do Parlamento. Mas teve a aprovação, esta quarta-feira (17.11), na especialidade, do partido no poder, o MPLA, que tem a maioria.
O apuramento centralizado dos votos, em muitos casos, continua a ser o maior celeuma, uma vez que abre vácuos para a ocorrência de fraudes eleitorais. Para Luís Jimbo, especialista em eleições e diretor do Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais e Democracia (IASED), está claro: se o Presidente assinar esta lei como está, não promoverá a verdade eleitoral e desmoralizará a sociedade.
DW África: Quais foram os progressos alcançados com a reapreciação do projeto de lei?
Luís Jimbo (LJ): Neste preciso momento há um silêncio absoluto sobre o que é que houve em termos de progresso. Na verdade, o Parlamento está a manter um diálogo não inclusivo e mesmo fechado sobre o que e que está a alterar, sobre o que está em debate e em discussão na lei que voltou para o Parlamento.
DW África: Entretanto, a oposição votou contra, por contestar diversos pontos do documento, por exemplo por permanecer a decisão de não controlar os dados biométricos dos eleitores, o que, segundo a oposição, pode facilitar a fraude. Como contornar este tipo de empecilhos que permanecem na lei?
LJ: A discussão sobre o uso dos dados biométricos deve ser mais ampla. Não deveria ser feita da forma como se está a fazer, porque nós já usamos a solução dos dados biométricos para o registo eleitoral. O entendimento que tive é que se está a solicitar um mecanismo em que o eleitor na mesa ou na assembleia, antes de entrar no lugar da votação, se identifica por via biométrica. Mas o efeito real e prático deste ato é ineficaz, ou seja, o que vale para votar é o B.I. e o nome no caderno eleitoral. A proposta dos dados biométricos não é mesurável na prática, aliás pode criar problemas adicionais para a tal transparência que se deseja. Pensamos que o que deve, de facto, ser controlado são os cadernos eleitorais e a forma de descarga nos cadernos eleitorais.
DW África: A UNITA também rejeita a presença de agentes da discreta nas mesas de escrutínio. Que riscos acarretaria este tipo de escolha?
LJ: A lei é clara: não permite a presença de forças da segurança nas assembleias de voto. Entendo que tenha a ver com o modus operandi. A questão é saber em que medida o Executivo se envolveu nos processos eleitorais de 2008, de 2012, de 2017… Questiona-se também o envolvimento de órgãos como a casa militar da Presidência da República, dando aquilo que era denominado de "colaboração do Executivo", que a lei permite, para a Comissão Nacional Eleitoral. Mas a experiência provou que esta colaboração se traduz numa influência muito grande dos órgãos de segurança.
DW África: A ser aceite esta proposta de lei, com todas estas contestações, pode dizer-se que esta proposta foi apresentada com boas intenções e que o gesto do Presidente foi, de facto, genuíno e embuído de boas intenções?
LJ: As intenções do Presidente da República ficam como zero. Porque na sua mensagem, as intenções do Presidente da República são, sobretudo, a verdade eleitoral. E a verdade eleitoral tem a ver com a forma de contar os votos. Trata-se de fortalecer o sentimento do cidadão de que o seu voto conta. Estamos perante um sistema que não permite uma transparência, a nível local, da contagem dos votos. Não permite ao cidadão distinguir quem elegeu o deputado na província. Ninguém consegue distinguir isso, porque tudo, porque tudo está puramente organizado a nível central. Ou seja: é um sistema inadequado que não promove a verdade eleitoral. E por isso a mensagem do Presidente, de que quer promover a verdade eleitoral e moralização da sociedade, e de, ao mesmo tempo, insistir em aprovar uma lei nestes termos, naturalmente que desmoraliza a sociedade.