Nova tentativa de golpe num Mali cada vez mais isolado
Philipp Sandner | rl
19 de maio de 2022
Uma alegada tentativa de golpe de Estado no Mali, tornada pública pela junta militar no início desta semana, veio evidenciar ainda mais os desafios que tem em mãos o governo interino de Bamako.
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A nível internacional, o governo liderado pelo coronel Assimi Goita, que assegurou o poder através de um golpe de Estado, tem caminhado cada vez mais rumo ao isolamento. Primeiro, anunciou o fim da sua cooperação militar com a França. Agora, o Mali decidiu que vai deixar o G5-Sahel.
"Até hoje, o G5-Sahel tem feito tudo para negar ao Presidente do Mali os seus direitos. E isto é devido à interferência de um país terceiro", disse à DW Fousseynou Ouattara, do Conselho Nacional de Transição do Mali, que acusa a França de interferir no país.
Vários observadores entendem que esta é uma decisão que pode prejudicar ainda mais a já complicada saúde financeira do país.
Para além das rígidas sanções já impostas a Bamako pela Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), e de outras instituições como a União Europeia e o Banco Mundial, abandonando o G5 Sahel, o Mali deixará também de ter direito ao apoio financeiro direcionado aos países da organização regional.
População apoia junta militar
Ainda assim, e mesmo com os preços a subir, na sequência das sanções internacionais, a população continua a apoiar a junta militar.
Mali: a busca por laços mais fortes com Moscovo
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"O papel dos militares é o de nos tornar um país seguro. Sem segurança nada funciona num país, por isso mostrar o nosso apoio é o mínimo que podemos fazer para os motivar", diz Bakabigny Keita.
"Estamos a mostrar à CEDEAO que escolhemos estes militares para a transição. A duração da transição não é de modo algum problema nosso. Tudo o que queremos é que o nosso país recupere a sua estabilidade e a sua dignidade", afirma Alima Touré.
Empurrado para os braços da Rússia
Ouvido pela DW, o analista alemão Olaf Bernau afirma que esta rejeição das sanções por parte da população e o intensificar so sentimento negativo face à CEDEAO está a empurrar o Mali para os braços da Rússia.
"A aprovação do golpe militar não deve ser confundida com uma rejeição das estruturas democráticas. Existe no país uma referência positiva aos acontecimentos de 1991", sublinha ainda Bernau.
Foi este ano, também por via de um golpe de Estado, que chegou ao poder Amadou Toumani Touré que entregou mais tarde a liderança do país a um governo civil.
O que é importante agora, acrescenta o analista Olaf Bernau, é que os países democráticos não se deixem guiar por uma rejeição generalizada, mas continuem a permitir uma cooperação moderada com o Mali.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.