Nova vida em Moçambique depois da Alemanha de Leste
Manuel David (Lichinga)
25 de fevereiro de 2019
Domingos Alberto estudou e trabalhou na antiga Alemanha de Leste. Dirige hoje o Departamento de Inspeção de Recursos Minerais no Niassa, no norte de Moçambique. Nunca conheceu o filho que deixou na Alemanha.
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Domingos Alberto estudou na Alemanha em 1987. Conseguiu uma bolsa graças à cooperação entre Moçambique e a ex-República Democrática Alemã (RDA).
"Chegando lá, o sistema era o socialismo e a escola onde estudei pertencia a uma empresa, a VEB Erdöl-Erdgas Grimmen", que fazia prospeção de petróleo e gás natural, conta.
O moçambicano tinha aulas teóricas e práticas: "fazíamos depuração dos poços e também documentávamos os furos que eles perfuravam na altura."
Mas em 1990, o ano da reunificação da Alemanha, Domingos Alberto regressou a Moçambique.
Ajuste a nova realidade
A adaptação foi difícil, sobretudo por causa das condições políticas que encontrou no país. "O sistema político já era diferente", refere Domingos Alberto. Além disso, o ex-bolseiro tinha um trabalho diferente.
"Em vez de aplicar aquilo que estudei lá na Alemanha, passei a fazer trabalhos administrativos e não o trabalho técnico de ir ao campo, abrir furos, fazer a colheita de amostras e ir ao laboratório. Passámos a fazer outro trabalho, a controlar se as empresas estão a cumprir com as normas das licenças."
Nova vida em Moçambique depois da Alemanha de Leste
Hoje, Domingos Alberto trabalha no Departamento Provincial de Inspeção de Recursos Minerais do Niassa. Entretanto, resolveu estudar Direito, para "se adequar melhor à realidade do setor".
O moçambicano diz que valeu a pena ter estudado na Alemanha. "Estudar não ocupa lugar, aprendi muita coisa sobre geologia", refere.fplatz
Mas, na Alemanha, deixou o filho primogénito, que nasceu no ano em que se foi embora. Em 2017, tentou encontrar-se com ele, mas não conseguiu.
"Ele só sabe que o pai é um moçambicano", conta. "Os amigos dele tentaram surpreendê-lo, de modo a que eu fosse lá participar no casamento dele, mas, quando cheguei a Maputo, na Embaixada alemã foi muito complicado. Não consegui tratar dos documentos."
Conhecer o filho é um sonho que Domingos Alberto, hoje com 57 anos, ainda gostaria de concretizar.
Alemanha e Moçambique no olho de dois fotógrafos
Moçambique é o ponto comum na exposição em Berlim que junta fotografias do moçambicano Mário Macilau e do alemão Malte Wandel. As crianças de rua em Maputo são o tema em destaque na obra de Macilau.
Foto: Mario Macilau
Crianças de rua, na visão de Macilau
Nesta foto, o fotógrafo moçambicano Mário Macilau optou por um plano de detalhe para abordar a questão da alimentação das crianças de rua. Esse é um dos temas fortes na obra de Mário Macilau que, em 2017, foi um dos vencedores do prémio internacional The LensCulture Exposure Awards.
Foto: Mario Macilau
Crescendo na Escuridão
Em 2017, a obra do fotógrafo moçambicano Mário Macilau esteve em exposição na Galeria Kehrer, na capital da Alemanha. As fotos foram extraídas de diversas séries produzidas por ele, especialmente do livro "Crescendo na Escuridão", que mostra a infância de crianças de rua em Maputo. A exposição inclui também fotografias do alemão Malte Wandel, que documenta a vida dos "Madgermanes".
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
A casa
A foto intitulada "Escadas de Sombras" mostra o interior de uma casa abandonada do período colonial. "Entrei nessas casas e comecei a observar a forma como esse sonho das casas de luxo se foi perdendo e as casas foram envelhecendo", revela Macilau. "Não queria mostrar o lado de rua dessas crianças, por isso, a maioria das fotografias foi feita dentro das casas onde elas moram", afirma.
Foto: Mario Macilau
Brincadeira
O menino com a arma de fogo nas mãos é, quase sempre, uma imagem chocante. Macilau garante que, aqui, trata-se de uma arma de brinquedo, feita pelas próprias crianças. O fotógrafo quis mostrar não apenas a dura realidade da vida nas ruas, mas também o imaginário e as brincadeiras, apesar da falta de perspectivas dos menores.
Foto: Mario Macilau
A imagem da alegria
A diversão na praia estampada nos sorrisos. A foto retrata a liberdade e a alegria do momento. Nem só de desesperança é feita a vida das crianças retratadas por Mário Macilau. "São crianças normais, que também têm sonhos. Elas vão passear, brincam, vão à praia. Isso tudo faz parte do lazer delas", considera.
Foto: Mario Macilau
Duas visões em exposição
Moçambique é o elo de ligação que junta dois fotógrafos na exposição, diz a gerente da Galeria Kehrer, Pauline Friesescke. "Mário apresenta um olhar de grande proximidade com os seus protagonistas", afirma. Já o trabalho de Wandel "coloca em debate uma parte interessante da história da Alemanha" e de Moçambique.
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
"Madgermanes": Protestos e resistência
Desde 2007, Malte Wandel documenta a vida dos "Madgermanes" – tanto daqueles que ficaram na Alemanha quanto dos que retornaram a Moçambique. Para o fotógrafo, "era importante mostrar pessoas diferentes, em diversos lugares e também de níveis sociais variados" descreve. Na foto em exposição em Berlim, os "Madgermanes" protestam pelo pagamento de parte do salário que era descontado para Moçambique.
Foto: Malte Wandel
Ambiente familiar
Malte Wandel fotografou diversas famílias dentro de casa. Na foto, a família de Jamal Trabaco, em Halle an der Saale, no estado alemão da Saxónia-Anhalt. "Para mim, era muito importante mostrar os ambientes privados, contar as histórias privadas e tornar essas famílias visíveis", explica o fotógrafo alemão.
Foto: Malte Wandel
Vítimas de ataques racistas
Foi na Praça Jorge Gomodai, em Dresden, que em 1991 o moçambicano Jorge João Gomodai foi atacado por jovens de extrema direita, vindo depois a falecer. "Nestes tempos em que Dresden representa o Movimento Pegida [Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente], muitas manifestações aconteceram nesta praça e escolhi-a como símbolo para mostrar que a história se repete", justifica Wandel.
Foto: Malte Wandel
Uma vida sem glamour
O fotógrafo alemão interessou-se por retratar a situação nada glamorosa em que se encontravam os ex-trabalhadores da RDA. A imagem demonstra a sala da casa de Nelson Munhequete, em Maputo. "A foto mostra que ele não teve uma chance", diz Malte Wandel. "Dar cada vez mais visibilidade a essa história é meu objetivo", conclui.
Foto: MalteWandel
A opinião do público
Durante uma visita à exposição, o artista plástico Thomas Kohl encantou-se com o trabalho de Mário Macilau. "Tem-se a impressão de que se trata de uma situação real e não de algo encenado", descreveu. Para Kohl, apesar de abordar o tema pobreza, "não há um julgamento nem uma realismo barato" no trabalho de Macilau.