Medidas contra crise no Sahel não satisfazem especialistas
Lisa Louis
14 de janeiro de 2020
França e nações do G5 Sahel anunciaram medidas para reforçar a luta contra o terrorismo na região, mas analistas duvidam que as iniciativas sejam suficientes para mudar a grave situação na região.
Publicidade
O resultado da cimeira do G5 Sahel frustraram alguns analistas que observam a instabilidade provocada por grupos jihadistas na região. O encontro reuniu os chefes de Estado de França, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade e Mauritânia na cidade francesa de Pau, a 85 km da fronteira com a Espanha.
Os chefes de Estado anunciaram que seria criada uma estrutura de comando comum para coordenar a "Operação Barkhane"- levada a cabo pela França com 4.5 mil militares presentes na região desde 2014 - e o exército comum do G5 Sahel, que conta com efetivo de 5 mil homens. A França enviará mais 220 soldados e uma nova força-tarefa, a "Takuba", será criada para integrar forças especiais de outros países europeus, além daqueles que fornecem apoio logístico, como Reino Unido, Dinamarca e Alemanha.
O General Dominique Trinquand, consultor militar e ex-chefe da missão militar francesa na ONU, elogiou as medidas. "Precisamos uma coordenação melhor entre as diferentes forças na região - especialmente porque a situação de segurança está a deteriorar-se de forma drástica. Embora eu ainda esteja esperando para ver como essa estrutura comum vai realmente funcionar", disse à DW Africa.
Trinquand acha que a região do Sahel deveria ser um dos principais focos na luta contra o terrorismo não apenas para a França. "Há um perigo real de que os terroristas possam estabelecer um novo estado islâmico, um califado - o Sahel pode se tornar a nova Síria", explicou. O consultor militar acha que combatentes islamistas poderiam ser enviados de lá para a Europa para ataques terroristas.
A declaração comum da cimeira reafirmou o "desejo dos Estados do Sahel de continuarem com compromisso militar com a França na região e a vontade de reforçar a presença de tropas internacionais ". O Presidente da França, Emmanuel Macron, insistiu que os chefes de Estado ponham um fim à "ambiguidade gerada pelo sentimento antifrancês".
A rejeição à presença francesa
Há sete anos, a França enviou pela primeira vez tropas ao Mali para combater jihadistas no norte do país. Desde então, a reacção contra a presença das tropas estrangeiras parece crescer no Sahel, especialmente no Mali. Com um número crescente de baixas, as comunidades questionam a eficácia da operação militar.
Um grupo de 50 jovens africanos a apenas 600 metros do castelo onde ocorreu a cimeira deu voz ao ceticismo compartilhado por alguns no Sahel. "Marionetas africanas a serviço do sistema francês, ouçam o seu próprio povo ou saiam daqui", lia-se numa faixa. "É nosso trabalho cuidar dos nossos próprios países", um jovem gritava ao microfone enquanto manifestantes aplaudiam.
Como a maioria dos manifestantes, Abdoulaye Adouwal viajou de Paris para Pau a fim de ter a oportunidade de ficar por algumas horas mais perto dos dirigentes do seu país. O nigeriano de 24 anos é estudante de enfermagem na França. Para ele, as tropas francesas tem que deixar a região.
"Os nossos chefes de Estado trouxeram exércitos estrangeiros que, segundo eles, garantiriam a segurança dos nossos países, mas eles chegaram e os ataques continuam a acontecer. Seria melhor se treinassem os nossos jovens para que pudéssemos proteger os nossos países", sugere.
Dominique Moïsi, do Instituto Francês de Relações Internacionais e conselheiro especial geopolítico, afirma que esse ceticismo já começa ser percebido também entre os franceses. "A dúvida surgiu entre a elite francesa quanto ao sentido da operação na região do Sahel, dada a falta de eficácia", explicou à DW África. "Cada vez mais pessoas se perguntam se a França não deveria repensar prioridades e concentrar-se em desafios mais urgentes, como o fortalecimento da Ásia, [a questão do] Irão e da Turquia".
Falha de abordagem
William Assanvo, um pesquisador sênior do Instituto de Estudos de Segurança da Costa do Marfim, entende as frustrações, mas acredita que que sem os franceses a situação seria pior. "Os países do G5 não podem ficar sem a França, eles precisam do apoio militar", afirmou.
Medidas contra crise no Sahel não agradam especialistas
No entanto, Assanvo não ficou empolgado com o resultado da cimeira. "Estas medidas não são nada de novo e não atacam as razões subjacentes ao aumento do terrorismo - especialmente a má governação", disse.
O especialista lembra que muitos jovens se juntam a grupos terroristas locais porque "não há força policial nas suas áreas de origem ou a força policial se tornou corrupta". Para Assanvo, aderir a uma milícia local é, algumas vezes, a única maneira de se manter seguro. "Se realmente queremos erradicar o terrorismo, precisamos melhorar a polícia, a justiça e o sistema de governança desses países", defende.
O General Trinquand acrescentou a isso outra questão que precisava de ser abordada: a economia. "O número de pessoas que vivem nesses países disparou - em Burkina Faso, por exemplo, quadruplicou, chegando a 20 milhões de pessoas em poucas décadas", disse. O consultor militar observa que " quase não há empregos para os jovens, a não ser para ingressar nas milícias, que pagam bastante bem".
Tanto a Operação Barkhane como o G5 aplicam programas de desenvolvimento económico. A França prometeu até 7 mil milhões de euros por ano para a ajuda ao desenvolvimento em 2022, a maior parte para países africanos. A declaração comum da cimeira menciona um compromisso de restabelecer o Estado de direito, mas poucas medidas concretas conduzem a algum otimismo.
África 2019: Entre dívidas ocultas, ataques e revoluções
2019 em África foi marcado por novos começos e catástrofes. Em Moçambique houve ciclones, dívidas ocultas, eleições e ataques armados, apesar do novo acordo de paz. A Guiné-Bissau foi às urnas eleger um novo Presidente.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Mukwazhi
Ciclones Idai e Kenneth
Dois ciclones atingiram a África Oriental este ano. Em março e abril, ciclones devastaram áreas inteiras de Moçambique, Madagáscar, Zimbabué, Malawi, Tanzânia e Comores. Mais de 1.400 pessoas morreram, muitas ainda estão desaparecidas e milhares perderam os seus meios de subsistência. Após o desastre, um surto de cólera atingiu as zonas por onde os ciclones passaram.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Félix Tshisekedi é o novo Presidente congolês
O novo Presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, tomou posse no início do ano. O resultado desta eleição caótica foi considerado controverso. Tshisekedi prometeu grandes reformas, como o combate aos rebeldes no leste do país. Mas após um ano a esperança esmoreceu: Tshisekedi é apelidado de "fantoche" do ex-Presidente Joseph Kabila, que governou o país durante 18 anos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay
Um segundo mandato para Buhari
Na Nigéria, o atual Presidente Muhammadu Buhari venceu novamente as eleições com mais de três milhões de votos. Buhari tem-se dedicado particularmente à pobreza e à segurança. Temas mais do que necessários, já que o grupo terrorista Boko Haram continua a atacar no norte do país. Além disso, conflitos entre pastores e agricultores originaram centenas de mortes, também em países como Mali e Níger.
Foto: Bayo Omoboriwo
A revolução sudanesa
O sudanês Alaa Salah tornou-se uma figura simbólica da revolução. O aumento dos preços dos alimentos e a difícil situação económica levaram a protestos em todo o país. Em abril, o Presidente Omar al-Bashir foi deposto depois de governar por quase 30 anos. Um Governo de transição de militares e civis está a preparar o caminho para as eleições. Durante as manifestações, dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP
Uma surpreendente Taça das Nações Africanas
A maior surpresa do CAN deste ano foi provavelmente a equipa de Madagáscar. Ao vencer a Nigéria e a República Democrática do Congo, chegaram aos quartos de final. Entretanto, a Argélia venceu o Senegal na final. O Senegal nunca ganhou um CAN até agora. O torneio foi originalmente planeado para decorrer nos Camarões, mas foi transferido para o Egito devido a distúrbios políticos naquele país.
Foto: Getty Images/AFP/M. El-Shahed
Epidemia de ébola na RDC
Desde agosto de 2018, a República Democrática do Congo enfrenta uma das maiores epidemias de ébola: mais de 3.300 casos já foram registados, dois terços dos quais fatais. Em novembro, o Uganda confirmou o fim da epidemia no distrito de Kasese, na fronteira com a RDC. Uma vacina ainda não aprovada contra o vírus tem-se mostrado bem-sucedida e os medicamentos para aqueles já infetados também.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Medecins Sans Frontieres/J. Wessels
Repatriamento de congoleses em Angola
Milhares de congoleses regressaram a casa depois de se refugiarem em Angola desde 2017 devido aos conflitos na província congolesa do Cassai. O repatriamento começou de forma espontânea, mas em setembro o processo foi organizado e acompanhado pelas autoridades angolanas e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Foto: Getty Images/AFP/S. Kambidi
Primeiro-ministro etíope vence Nobel da Paz
O primeiro-ministro da Etiópia fez as pazes com a vizinha Eritreia após décadas de conflitos. Por isso, Abiy Ahmed recebeu o Prémio Nobel da Paz. Além disso, conseguiu estabilizar a situação no país dividido em 80 grupos étnicos diferentes, libertou milhares de presos políticos, introduziu reformas económicas e nomeu mulheres para metade do seu gabinete.
Foto: Ethiopian Prime Minister Office
Conflito em Moçambique
O Presidente Filipe Nyusi foi reeleito com uma grande maioria, mas a RENAMO rejeitou os resultados e acusou Nyusi e a FRELIMO de "grande fraude eleitoral". Até 1992, os dois partidos travaram uma brutal guerra civil que matou quase um milhão de vidas. As partes assinaram um acordo de paz em agosto, mas as tensões no país permanecem, com ataques nas estradas do centro do país.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Ataques no norte de Moçambique
A província de Cabo Delgado continua a ser alvo de grupos armados. Os primeiros ataques foram registados em 2017 e este ano novos episódios de violência aterrorizaram aldeias locais. Pelo menos 300 pessoas já morreram e há centenas de deslocados, segundo as autoridades. A situação também deixa em alerta empresários. A região abriga um megaprojeto de exploração de gás natural.
Foto: DW/A. Chissale
Novo estado federal na Etiópia
Em novembro, 98,5% dos moradores de Sidama, na Etiópia, votaram num referendo para a formação de um novo estado federal e mais autonomia. Os Sidama, quinto maior grupo étnico da Etiópia, espera controlar os recursos da terra, ter voz na política e preservar e fortalecer a sua identidade cultural. Dez outros grupos étnicos manifestaram interesse num referendo semelhante.
Foto: Reuters/T. Negeri
Quem será o novo Presidente da Guiné-Bissau?
Com José Mário Vaz já fora da corrida, a segunda volta das presidenciais disputou-se a 29 de dezembro, entre os favoritos Domingos Simões Pereira e Umaro Sissoco Embaló. Os resultados provisórios deverão ser divulgados pela CNE a 1 de janeiro. A disputa entre Jomav e o Parlamento levou à crise política e económica no país. O novo Presidente terá de resolver isso em 2020.
Foto: DW/B. Darame
Ataques às Nações Unidas na RDC
Manifestantes em Beni, uma cidade no leste congolês, invadiram uma base da ONU no final de novembro e incendiaram o edifício municipal. Alegavam que a missão da ONU no país, a MONUSCO, não está a fazer nada para protegê-los dos ataques rebeldes. A milícia extremista "Forças Democráticas Aliadas" matou e sequestrou dezenas de pessoas na região. A luta em Beni continua.
Foto: Reuters/File Photo/O. Oleksandr
"Arquiteto" das dívidas ocultas ilibado nos EUA
Jean Boustani, tido como o principal mentor no caso das dívidas ocultas, foi considerado inocente em julgamento nos EUA. Entretanto, a Justiça norte-americana quer também julgar o ex-ministro das Finanças de Moçambique, por alegado envolvimento nas dívidas ocultas. Manuel Chang está detido na África do Sul desde dezembro de 2018, com pedidos de extradição para Moçambique e para os EUA.
Foto: Reuters/E. Munoz
Protestos no Zimbabué
O ano começa e termina com protestos no Zimbabué. Depois de o preço dos combustíveis ter subido 130%, milhares de pessoas saíram às ruas e houve escassez de alimentos nos mercados. Foram também demitidos 211 dos 1.550 médicos do país por protestarem por melhores salários e condições de trabalho. Dizem que os seus salários - menos de 200 dólares por mês - são insuficientes para sobreviver.