Novo ataque deixa rasto de destruição em Cabo Delgado
Lusa | cvt
4 de novembro de 2018
Grupo armado saqueou e incendiou, na noite deste sábado (03.11), uma aldeia remota do distrito de Macomia, no norte de Moçambique, sem provocar vítimas, segundo fonte das autoridades locais.
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O grupo desconhecido entrou a disparar armas de fogo, deitou fogo a 45 casas, uma escola e uma mesquita e roubou animais e bens alimentares de barracas de comércio na aldeia Unidade, pertencente ao posto administrativo de Quiterajo, junto à costa, detalhou a fonte à agência Lusa.
A aldeia fica nas imediações de outras povoações que têm sido alvo de ataques ao longo do último ano na zona litoral do nordeste da província de Cabo Delgado, no meio do mato e só acessíveis através de caminhos em terra batida.
A população começou a abandonar as habitações na tarde de sábado, depois de terem notado a presença de pessoas estranhas perto da aldeia, referiu a mesma fonte.
Não se sabe quem eram os atacantes, nem quantas pessoas estavam no grupo.
O ataque da última noite acontece numa altura em que residentes em Mocímboa da Praia, distrito a norte de Macomia, têm relatado a partida de 12 mulheres da vila para parte incerta, nos últimos dias de outubro, carregando mantimentos - levantando suspeitas de que possam estar ligadas a grupos escondidos nas matas.
Há cerca de um mês não havia registo de violência nem confrontos naquela zona de Moçambique - situada a quase dois mil quilómetros a norte da capital, Maputo, e junto à Tanzânia - na sequência dos ataques despoletados há um ano e que, segundo as estimativas do Governo moçambicano, já terão provocado cerca de cem mortos, entre civis, militares e agressores.
O mesmo tipo de conflito e recrutamento, promovido com o apoio de muçulmanos estrangeiros, foi relatado noutras mesquitas da região no mesmo período.
Motivações dos ataques
Analistas têm se dividido entre os que dizem haver ligações estrangeiras a crime organizado - rotas de tráfico de heroína, rubis, marfim e outros produtos que passam por Cabo Delgado -, terrorismo ou outras razões.
Entre outras causas apontam uma revolta popular face à pobreza, antigas disputas de território entre etnias ou ainda manipulação política, visando desestabilizar Moçambique, numa altura em que petrolíferas investem em gás natural, em Cabo Delgado.
Os ataques têm ocorrido sempre longe do asfalto (com exceção do ataque inicial a Mocímboa da Praia) e fora da zona de implantação da fábrica e outras infraestruturas das empresas petrolíferas (Anadarko, Eni e ExxonMobil) que vão explorar gás natural, na península de Afungi, no distrito de Palma.
As autoridades moçambicanas e tanzanianas têm anunciado desde final de 2017 a detenção de suspeitos de ligação a esta onda de violência e está a decorrer em Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, um julgamento com mais de 200 arguidos.
Cinco crimes pesam sobre eles: homicídio qualificado, posse de armas proibidas, associação para delinquir contra a organização do Estado, instigação ou provocação à desobediência coletiva e perturbação da ordem e tranquilidade pública.
Entre os acusados, a maior parte é composta por cidadãos moçambicanos - havendo ainda tanzanianos, somalis e cidadãos naturais do Burundi e da República Democrática do Congo, disse à Lusa fonte ligada ao processo - segundo a qual há 42 mulheres a ser julgadas.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".