Novo "Clube da Paz" quer acelerar diálogo em Moçambique
Bernardo Jequete (Chimoio)
15 de março de 2017
É uma nova tentativa de mediar o conflito em Moçambique: o "Clube da Paz". Mais de 250 confissões religiosas das províncias de Manica, Nampula, Sofala e Tete criaram a organização, em conjunto com partidos políticos.
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O "Clube da Paz" integra organizações da sociedade civil e partidos políticos como a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), no poder, e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM). A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) foi convidada a participar, mas não integra o clube.
Pereira Creva Gama, presidente do "Clube da Paz" e do Encontro Fraternal das Igrejas em Manica, desconhece os motivos da ausência.
"O clube não discrimina qualquer entidade que queira fazer parte", afirma Gama. "As portas estão abertas a todos, por isso envolvemos os partidos políticos. Queremos com isso colher ideias suficientes para, de seguida, encontrarmos uma estratégia visando pôr fim à crise política no nosso país", explica.
O objetivo do clube, segundo o responsável, é transmitir conhecimentos básicos sobre a necessidade de preservar a paz.
'A paz começa nas comunidades'
A organização propõe realizar atividades de sensibilização dos dirigentes políticos para pôr fim ao conflito entre o Governo moçambicano e a RENAMO. Estão ainda previstos debates com jovens estudantes, eventos culturais, torneios desportivos e discussões na rádio com a participação da população.
A iniciativa tem o apoio da Tearfund, uma organização cristã de combate à pobreza com sede em Inglaterra, além de outra organização do Quénia, cujo nome não foi revelado.
O presidente do clube sublinha que não se trata apenas de política: "O nosso tema principal é o papel das confissões religiosas na pacificação da sociedade", frisa Pereira Gama.
"Temos visto que as Igrejas nada fazem em busca da paz", acrescenta. O clube quer, por isso, criar mecanismos para atingir a paz efetiva – não só a "paz política, mas também no seu todo".
"Queremos que a paz comece nas nossas comunidades, através das Igrejas", sublinha o presidente do "Clube da Paz".
FRELIMO e MDM aplaudem iniciativa
Ouvido pela DW África, o chefe de Mobilização e Propaganda do partido FRELIMO em Manica, Joaquim Mainato, salientou que o clube ajudará nos esforços do Presidente da República, Filipe Nyusi, para trazer a paz a Moçambique."Nós, como FRELIMO, abraçámos a iniciativa porque ela visa juntar os atores políticos numa mesa para que haja diálogo e consequentemente acabar com as diferenças", disse Mainato.Emerson Francisco dos Santos, delegado do MDM em Chimoio e membro do "Clube da Paz", também considera que a iniciativa é bem-vinda.
15.03.2017 Novo 'Clube da Paz' - MP3-Mono
"Congratulamos o clube por envolver os religiosos, a sociedade civil e os partidos políticos", afirmou, lamentando, no entanto, a ausência do outro partido político com assento na Assembleia da República.
"O MDM abraçou a iniciativa porque acha que o 'Clube da Paz' é importante e surgiu numa época boa, uma vez estamos num cenário de conversações ao mais alto nível do nosso Governo e do partido RENAMO", concluiu Francisco dos Santos.
Gonçalo Mabunda: a arte pacífica das armas
O artista moçambicano Gonçalo Mabunda transforma armas em objetos de arte para promover a paz no país. Mabunda recolhe as armas usadas em 16 anos de guerra civil para criar máscaras e cadeiras.
Foto: R. da Silva
Artista universal
Gonçalo Mabunda começou a trabalhar no meio artístico da capital moçambicana, Maputo em 1992. Na altura colaborava no Núcleo de Arte como assistente de galeria. Hoje expõe a sua arte em todo o mundo, tendo passado com as suas obras por cidades como Tóquio, Londres e Düsseldorf. Por onde passo,: “as pessoas quando vêem estes trabalhos ficam curiosas" e entusiasmadas, conta.
Foto: R. da Silva
Tronos irónicos
A oficina está cheia de restos de espingardas, AK-47, rockets e cadeiras feitas com recurso a estes artefatos. No seu site online, Mabunda diz que os tronos - uma das suas imagens de marca - funcionam como atributos do poder, símbolos tribais e peças tradicionais de arte étnica africana. São ainda um comentário irónico à experiência de violência que viveu em criança na guerra civil moçambicana.
Foto: R. da Silva
Recolha de material
Em 1995, o Conselho Cristão de Moçambique lançou o projecto "Transformar Armas em Enxadas". O projeto continua a ser um dos fornecedores do material de que o artista precisa para criar as suas peças. Mas hoje em dia, contou Mabunda à DW África "também consigo comprar artefactos de guerra já destruídos" na sucata.
Foto: R. da Silva
Arte com assistência
Gonçalo Mabunda precisa de assistentes para completar as suas obras. O material bélico desativado exige um tratamento especial para poder ser trabalhado artisticamente. Mabundo orienta os seus ajudantes. Mas acrescenta que também troca ideias com eles, criando uma obra conjunta. Algo que, na sua opinião, os políticos também deviam fazer.
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
O artista conta que muitas pessoas ficam impressionadas com a capacidade de transformar em arte positiva material usado para semear a morte e a miséria. Como ainda acontece em Moçambique hoje. Mabunda não poupa críticas aos governantes: "Estamos perante uma situação em que apenas um grupinho de pessoas é que decide sobre como é que queremos viver.”
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
A situação de conflito que o país atravessa novamente preocupa o artista: “Foram 16 anos de guerra e 22 de paz. Quem nasceu em 1992 vivia em liberdade. E agora nem sei explicar como voltámos a esta situação.” Talvez por isso as máscaras que produz com o material de guerra tenham um ar mais assustado do que assustador.
Foto: R. da Silva
As armas falam de paz
As armas também podem falar de paz. Pelo menos aquelas que passaram pelas mãos de Mabunda. As máscaras que cria exprimem o horror da matança. O percurso de Mabunda passou pela África do Sul, mais precisamente Durban, graças à ajuda do artista sul-africano, Andreies Botha. Aos 18 anos, Mabunda teve a possibilidade de ali fazer um curso de metal e bronze, como contou ao semanário português Expresso.
Foto: R. da Silva
Reconhecimento internacional
Nascido em 1975, Mabunda trabalha como artista a tempo inteiro desde 1997. Optando por reciclar material bélico criou um estilo muito próprio, hoje reconhecido em todo o mundo. Sobreposta à arte está a mensagem de promoção da paz, num país em que as armas que falam da guerra ainda não se calaram.