Welket Bungué retrata passado esclavagista na Guiné-Bissau
João Carlos
20 de novembro de 2020
"Cacheu Cuntum" é o mais recente projeto do realizador guineense Welket Bungué, que mostra a região de Cacheu e o seu passado colonial ligado ao tráfico de escravos.
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A cidade de Cacheu, situada nas margens do rio com o mesmo nome, foi, no passado longínquo, um entreposto de grande relevância para o escoamento de pessoas escravizadas. Elas eram capturadas e levadas de vários lugares da costa ocidental de África para serem vendidas às embarcações que ali se iam "reabastecer" de corpos expropriados ao continente africano.
Esta é uma das vertentes de "Cacheu Cuntum", o novo projeto cinematográfico de Welket Bungué, que vai ao encontro do local marcado por um passado histórico recente, ainda no século XX, que o realizador guineense quer mostrar ao mundo.
"Estive na Guiné-Bissau entre maio e junho de 2019 e fui filmando com o telemóvel os diversos lugares por onde passei. E isso resultou numa coletânea de imagens dispersas, de alguma maneira", conta Bungué.
"E a minha ida a Cacheu foi fundamental porque ao mesmo tempo que eu filmei as paisagens e também gravei um encontro que tive com o guia do Memorial para a Escravatura e Tráfico Negreiro."
Escravos para o Brasil
Bungué fez-se acompanhar do guia guineense, Pascoal Gomes, e um ano depois decidiu produzir este filme documentário, que, além de mostrar os bairros populares da Guiné-Bissau, recupera uma parte da história colonial.
"A última fase de decadência de Cacheu aconteceu depois da abolição da escravatura. Naquela altura, todos os escravos saídos da Guiné-Bissau passavam por Cabo Verde e eram enviados depois para o Maranhão, no Brasil. A maior parte era levada para o Maranhão. Naquela altura, o Brasil desenvolvia a produção de cana de açúcar. E era esse o objetivo de levar escravos para lá", descreve.
Ngungunhane: herói moçambicano que enfrentou os portugueses
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O Forte de Cacheu, junto ao mar, é um dos lugares importantes que transporta o visitante para o período marcado pela presença colonial portuguesa. O realizador guineense, radicado em Berlim (Alemanha), destaca a figura de Honório Pereira Barreto, um antigo traficante de escravos português.
"Ele foi bastante louvado pela coroa portuguesa na época e isso também lhe deu propriedade de bastantes terras na Guiné-Bissau, o que lhe permitiu, de alguma maneira, capitalizar estas pessoas que eram tidas como escravizadas e daí enviadas para o Brasil, para Cabo Verde", conta.
"É sabido que o Porto de Cacheu, que ficava ali próximo do forte, foi um entreposto de escoamento de pessoas escravizadas, não só retiradas do território da Guiné-Bissau, mas também de grande parte da África Ocidental", explica o realizador.
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A nova Guiné-Bissau
Welket Bungué tenta resgatar assim a "soberania histórica" da Guiné-Bissau e as memórias dos lugares que visitou. Mas, para além da necessidade de preservar o passado, pretende igualmente dar a conhecer uma outra Guiné-Bissau.
"Neste filme, o que se pretende é mostrar que a Guiné-Bissau está ainda num processo de transformação profunda por todas as razões que nós sabemos e que são comunicadas pelos Media. Mas há famílias e há crianças que têm essa premissa, que é a de terem um futuro promissor também. Esse futuro promissor não passa só por ser fora de África, mas também é possível ser construído na Guiné-Bissau", entende Bungué.
De acordo com o realizador, o filme, já legendado em português e inglês, tem fortes possibilidades de vir a ser selecionado para festivais internacionais pela temática antropológica e histórica que aborda.
"Provavelmente festivais que estão mais interessados no experimentalismo cinematográfico ou festivais de documentário a nível internacional também."
Entretanto, “Bustagate”, outro filme do realizador guineense, estreou esta quinta-feira (19/11) em Portugal, no Festival Caminhos. As produções cinematográficas de Bungué ganham cada vez mais asas, tal é o caso de “Intervenção Jah”, que marca presença na XII Muestra Internacional de Cine Africano de Argentina, que decorre de 16 a 26 deste mês.
Welket Bungué foi escolhido, também na quinta-feira, o melhor ator no Festival de Cinema de Estocolmo. O prémio é um reconhecimento pela atuação do luso-guineense no filme "Berlin Alexanderplatz", do realizador alemão Burhan Qurbani. O filme, por sua vez, foi eleito o melhor da competição oficial, anunciou o festival que termina no domingo (22.11).
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.