Angola: novo governo terá maior intervenção política na RDC
Henry-Laur Allik
23 de junho de 2017
Em entrevista à DW África, Alex Vines, especialista do instituto britânico Chatham House, afirma também que a intervenção armada na República Democrática do Congo "não é uma boa opção para Angola".
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Há uma clara mudança de paradigmas na política de Angola em relação ao seu atribulado vizinho, a República Democrática do Congo, (RDC). Se durante anos Luanda foi apoiante quase incondicional do Joseph Kabila, agora deixou de esconder uma certa irritação e impaciência com o Presidente congolês e a sua tentativa de se agarrar ao poder em contravenção da Constituição do seu país.
Em entrevista à DW África, Alex Vines, especialista do instituto britânico Chatham House, afirma que Angola tem estado a olhar para as suas opções em relação à situação da RDC. No entanto, acrescenta o analista, não haverá uma posição "definitiva" de Angola face a esta situação antes das eleições gerais, que se realizam em agosto próximo.
DW África: Porquê a mudança de Luanda em relação a Joseph Kabila neste momento?
Alex Vines (AV): Acho que há uma troca de análises, neste momento em Luanda, entre o Ministério das Relações Exteriores e a Presidência da República sobre o acréscimo de risco existente hoje na RDC e sobre o facto de a classe política em Kinshasa estar a precisar de um mapa concreto para a mudança. A RDC precisa de dar passos concretos para eleições e uma nova presidência em Kinshasa.
DW África: Ou seja, Angola decidiu que é de interesse próprio que Kabila não continue na chefia do Governo?
(AV): Sim, o que o Governo angolano quer é estabilidade em Kinshasa e na RDC. Neste momento, há angústia em Luanda sobre o que se está a passar. Eu penso que o mais importante para Angola, neste momento, é duas coisas: a primeira, é a situação de calma [no país], porque em agosto há eleições, e depois a situação de calma nos vizinhos de Angola, e neste ponto, a RDC é o mais importante de todos para Luanda.
23 06 Entrevista Vines - MP3-Mono
DW África: Será tão importante que Luanda estaria na disposição de voltar a intervir militarmente como já o fez na viragem do século?
(AV): Isso é uma boa questão. Penso que a situação no Kasai, na RDC, com os refugiados congoleses a passar para as Lundas, está a fazer pressão sobre as autoridades angolanas, que estão a pensar já mais a fundo sobre as opções para a RDC. Não vamos ver algo definitivo antes das eleições gerais em Angola em agosto próximo, mas depois, com o novo Governo em Luanda, vai haver uma intervenção política angolana mais forte sobre a RDC.
DW África: Será que já houve reações do lado do Congo a esta mudança de paradigmas do vizinho?
AV: É claro que há políticos emKinshasa que têm medo que Angola esteja a pensar na opção de uma intervenção armada na RDC. Eu penso que esta não é uma boa opção para Angola. A situação doméstica na RDC é bastante complicada e também nesta altura, com o petróleo tão baixo como está - a 45 dólares por barril - não é um gasto que as autoridades angolanas queiram fazer.
A "maldição dos recursos" na República Democrática do Congo
O cobalto e o coltan são minérios abundantes na República Democrática do Congo. Mas, a par com a instabilidade regional, estes recursos atraem milícias, exploração e violência.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bätz
Recursos atraem violência e oportunistas
Nas províncias da região oriental da República Democrática do Congo (RDC), tesouros como ouro e estanho atraem milícias oportunistas. Estes grupos violentos exploram pessoas, incluindo crianças, na extração dos chamados "minerais de conflito" – como são o ouro, o cobalto e o coltan. Com as receitas angariadas, os grupos compram armas para conquistar mais territórios e assim, perpetuam o conflito.
Foto: picture alliance / Jürgen Bätz/dpa
Proteger os cidadãos e a exploração legal
A Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), a maior e mais cara missão de paz da ONU, tem vindo a trabalhar na estabilização da situação nas províncias do norte e do sul de Kivu, que estão no centro da violência do país. As forças de segurança patrulham aldeias mineiras como Nzibira, localizada na margem da Zola Zola, uma mina legal de exploração de cassiterita.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bätz
Pagar “o preço humano” por telemóveis
A cassiterita é apenas um dos minerais usados na fabricação de telemovéis. Metade da produção mundial destes minerais vem da África Central. A exportação de estanho, ouro e outros minérios da RDC tem estado sob vigilância desde 2010, altura em que entrou em vigor, nos Estados Unidos da América, a lei que exige que as empresas americanas assegurem que não trabalham com "minerais de conflito".
Foto: picture-alliance/dpa/D. Karmann
Comprovar a legalidade dos minerais
Um cartaz em Nzibira explica como os sacos de minerais precisam de ser devidamente selados e rotulados por um inspetor de minas para que a sua origem legal possa ser provada às empresas dos EUA. No entanto, o sistema apresenta muitas falhas. As minas ilícitas podem simplesmente vender os seus "produtos" no mercado negro ou contrabande-á-los numa mina legal, embalando-os lá.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bätz
Exploração de crianças
Apesar dos esforços levados a cabo por organizações, as violações de direitos humanos continuam a existir na exploração de minérios na RDC. Crianças como Esperance Furahaare, que foi raptada e violada por uma milícia quando tinha 14 anos, são vítimas comuns da exploração e violência.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bätz
Impacto ambiental
As minas, que são difíceis de controlar, também podem prejudicar o meio ambiente e as comunidades vizinhas. Nas minas ilegais, acontece frequentemente, os esgotos misturarem-se com as águas locais, poluindo o abastecimento.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bätz
Futuro pouco claro para a legislação
Os responsáveis pelas leis nos EUA estão a tentar avançar com um projeto de lei que poderá eliminar a reforma de 2010 - que exige que as empresas assegurem que não trabalham com "minerais de conflito". Os legisladores argumentam que a Lei Dodd-Frank tem reprimido o desenvolvimento económico do país e não teve efeito prático na exploração na África Central.