Novo livro quer acabar com mitos sobre os "madgermanes"
11 de fevereiro de 2015"Não há outro capítulo na história da Alemanha onde tenham sido produzidos tanta calúnia, inverdades ou artigos com técnicas completamente insuficientes", garante Ulrich van der Heyden, professor da Universidade Humboldt de Berlim e um dos autores e coordenadores do livro "Trabalhadores Moçambicanos Contratados na Economia da República Democrática Alemã: Contexto - Desenvolvimento - Consequências".
Em quatro capítulos, a obra traz textos de 19 especialistas no tema, numa tentativa de desvendar os mitos que foram criados em torno das vivências dos ex-trabalhadores moçambicanos na antiga Alemanha Oriental, chamados também de "madgermanes", a partir de 1979.
Ralf Straßburg escreveu sobre o que testemunhou enquanto funcionário da secretaria de Estado para o Trabalho e Salário e responsável pelos trabalhadores moçambicanos na República Democrática Alemã (RDA).
"Até agora, tudo soava como se eu tivesse sido um mercador de escravos e isso, é claro, me levou a classificar todos os documentos que eu ainda tinha e escrever sobre como tudo aconteceu realmente," revela. "O resultado é certamente diferente de tudo o que tem sido apresentado nos livros, artigos ou programas de TV até aqui."
Desconstrução de mitos
Ulrich van der Heyden, um dos cientistas alemães que mais se debruçaram sobre o tema dos ex-trabalhadores africanos, defende a tese de que não havia racismo na RDA, o que viria a acontecer depois da queda do Muro de Berlim (1989).
"Em toda a literatura de arquivo sobre este assunto, não se encontra absolutamente nenhuma prova de racismo," garante.
Haveria, no entanto, um caso de morte "que não se refere a um trabalhador contratado, mas sim a um estudante moçambicano."
O historiador lembra, no entanto, que "não se pode esquecer que, no final da RDA, houve um fortalecimento do ressentimento racista."
Ralf Straßburg qualifica como "inverdades" os relatos de que os ex-trabalhadores moçambicanos teriam vivido em guetos, impedidos de se integrar na sociedade alemã.
"As empresas tinham o compromisso de criar situações de lazer para que eles fossem ao teatro e cinema, organizassem atividades juntamente com seus colegas de trabalho alemães e frequentassem as famílias deles", diz.
Segundo o então responsável pelos trabalhadores moçambicanos na RDA, estas eram as regras e o que foi dito em contrário, "pode-se contestar com protocolos e declarações."
Retorno de grávidas previsto em contrato
Já algumas trabalhadoras moçambicanas que engravidaram durante a sua estadia na RDA chegaram mesmo a abortar ou retornar a Moçambique. De acordo com Straßburg, o retorno daquelas que engravidassem estava previsto em contrato uma vez que, com crianças, elas não podiam mais trabalhar.
"Moçambique disse: 'temos um contrato diferente, mulheres grávidas têm de regressar'", revela.
Em 1985, haveria um "relaxamento" e as mulheres poderiam ter seus filhos na RDA. Straßburg confirma a existência de um protocolo "que dizia que as mulheres poderiam interromper a gravidez e quem interrompesse poderia ficar na RDA".
Resultados frustrantes
Entre as consequências do contrato firmado entre Moçambique e a RDA, os autores citam a decepção daqueles "madgermanes" que nunca viram o dinheiro que lhes deveria ser pago no regresso a Moçambique, além do fracasso do projeto.
"A RDA tinha acordos com Moçambique, onde indústrias deveriam ser construídas para que os trabalhadores, qualificados em indústrias da RDA, levassem esta qualificação para as empresas em seu país de origem. Mas isso jamais se realizaria," explica Straßburg.
Isso uma vez que, em Moçambique, ainda decorria a guerra civil que destruiu boa parte do país.
"A RENAMO [Resistência Nacional Moçambicana] se concentrou na destruição de projetos especiais. Escolas e empresas, projetos de ajuda ao desenvolvimento - não só da RDA, mas também de outros países - foram destruídos. Assim, os moçambicanos qualificados, que depois de quatro anos voltaram, não encontraram nenhuma fábrica", lembra Ulrich van der Heyden.