Museu no Senegal quer albergar arte roubada à África
Jens Borchers
4 de janeiro de 2019
A França anunciou recentemente que vai devolver à África arte roubada, grande parte durante a era colonial. No Senegal foi aberto um novo museu e os responsáveis dizem-se preparados para receber as obras em questão.
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A França anunciou recentemente a intenção de devolver à África objetos de arte roubados ao continente, grande parte durante a era colonial. Só neste país o número de peças em questão está calculado em 90.000. No Senegal acaba de ser inaugurado um novo museu, dedicado às "Civilizações Negras". Muitos defendem que os objetos que regressarão à África num futuro incerto devem ser expostos neste museu.
O Presidente Macky Sall, proferiu o discurso de abertura na inauguração do novo recinto de arte: "O museu demonstra o nosso respeito pelas culturas e civilizações. E pela proteção da diversidade cultural no mundo".
Candidato a receber as obras de arte
O museu é redondo, tal como muitas cabanas tradicionais no Senegal. Tem a cor da areia do deserto. Um enorme teto de vidro deixa entrar o sol. Com 14 mil metros quadrados de área, o equivalente a cerca de dois campos de futebol, o recinto custou quase 20 milhões de euros.
Nos três andares estão expostos objetos que datam de há milhões de anos até à arte africana contemporânea. Uma das questões que os visitantes mais discutiram no dia da abertura foi se este é o local indicado para albergar os objetos de arte africanos que a França pretende devolver ao continente. "Que eu saiba ainda não foi feito um requerimento oficial nesse sentido. Pode ser que ainda venha. Para já teríamos que obter uma lista das peças. Claro que há algumas que nos interessam. Daremos a conhecer quais no momento indicado", disse o diretor do novo museu, Hamady Bokoum.
Condições ideais
Novo museu no Senegal quer albergar arte roubada
O momento indicado ainda está por determinar, pois o debate sobre a devolução ainda agora começou. Mas uma coisa é certa, diz o diretor, o seu novo museu tem todas as condições para receber os objetos: "As condições aqui são ótimas do ponto de vista segurança, ar condicionado, espaço, vigilância por vídeo e controle de acessos".
Apesar da boa vontade demonstrada pelo governo do Presidente francês, Emmanuel Macron, a devolução ainda poderá demorar algum tempo. E está longe de claro para onde irão as obras em questão. Mas, à cautela, o ministro senegalês da cultura Abdou Latif Coulibaly diz: "Estamos prontos para receber os objetos. Seja qual for a forma da devolução, estamos dispostos a encontrar soluções com a França".
Coulibaly esforçou-se visivelmente por manter uma postura diplomática perante um tema tão emocional. Mas não deixou dúvidas quanto à sua convicção de que o novo museu seria o melhor local para albergar as obras de arte devolvidas, uma vez que não existem muitos museus em África que oferecem as condições necessárias. Seria igualmente uma oportunidade para o Senegal colocar o museu no centro da história das culturas africanas e ganhar prestígio internacional.
Arte africana à espera de ser devolvida
Museus europeus mostram-se muitas vezes relutantes em devolver obras de arte africanas roubadas durante o tempo colonial. Presidente francês Emmanuel Macron anunciou que a França irá devolver 26 peças ao Benim.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Glaubitz
Estátuas roubadas
Estes três totens - meio humanos, meio animais - fazem parte da coleção do Museu do Quai Branly, em Paris. São originários do reino do Daomé, onde fica hoje a República do Benim. A antiga colónia francesa declarou que os artefactos foram saqueados e, em 2016, pediu a sua devolução. A França negou. No entanto, voltou atrás na decisão: 26 peças do museu deverão ser agora devolvidas ao Benim.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Glaubitz
Máscaras dos Dogon
Estas máscaras do povo Dogon também estão no Musée du Quai Branly, em Paris. São originárias de uma região onde está hoje o atual Mali e foram levadas para França na sequência de uma expedição nos anos 30. Máscaras como estas serviram de inspiração a pintores como Pablo Picasso ou Georg Baselitz. Documentos da altura detalham a crueldade com que os "exploradores" enganaram a população local.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Kaiser
Afugentador de colonizadores
De olhos bem abertos e com pregos cravados no corpo, esta Mangaaka é uma figura de poder do Congo usada por volta de 1880 para proteger uma aldeia africana contra as forças coloniais. Em todo o mundo, há apenas 17 figuras destas. Uma delas está no Museu Etnológico de Berlim. Estima-se que 90% da herança cultural africana foi levada para a Europa.
Foto: Imago/ZUMA Press
Deus Gu
O general francês Alfred Amédée Dodds desempenhou um papel preponderante na colonização da África Ocidental. Em 1892, os seus homens saquearam o Palácio do rei Béhanzin em Abomei, a capital do reino do Daomé. Um dos objetos saqueados foi a estátua do deus Gu, em bronze.
Foto: Imago/UIG/W. Forman
Rei Ghezo
O general Dodds também levou tronos e portas com relevos para a Exposição Universal de Paris, em 1878, no Palácio de Trocadéro. São bens que o Benim também exige de volta.
Foto: Imago/United Archives International
Bens confiscados
O general francês Louis Archinard conquistou, em 1890, a cidade de Segu, a capital do reino de Toucouleur. Os bens saqueados na altura - jóias, armas e manuscritos - estão hoje em exibição nas cidades de Paris e Le Havre. Desde 1994 que os descendentes do fundador do Império 'Umar Tall pedem a devolução dos objetos. A região pertence hoje ao Mali.
Foto: picture-alliance/akg-images
Não foi só em África
Os saques não ficaram por aqui. Os europeus também roubaram muitas peças de outros continentes. Por exemplo, em 1880, o navegador norueguês Johan Adrian Jacobsen foi a mando do Museu Etnológico de Berlim à América do Norte, à procura de objetos de culturas indígenas. As peças saqueadas em túmulos do Alasca foram devolvidas em 2018.