Novos casos de rapto e assassinato de albinos em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
29 de maio de 2019
Moçambique volta a registar o rapto e assassinato de pessoas com albinismo. São os primeiros casos reportados este ano. A Associação de Apoio a Albinos de Moçambique pede ao Governo para agir.
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O Ministério Público confirma que este ano foram registados novos casos de rapto e assassinato de crianças com albinismo na província de Nampula, norte de Moçambique.
"Tivemos duas situações", diz a procuradora-geral adjunta Amabélia Chuquela.
Em março, um menino de seis anos desapareceu no distrito de Larde e, este mês, uma menina de 11 anos foi raptada no distrito de Murrupula e depois encontrada morta, com os membros cortados.
Estes são os primeiros casos de rapto e assassinato de pessoas com albinismo reportados nos últimos meses no país, depois de um período crítico em que foram registados 60 casos só em 2015.
Chuquela confessa que está preocupada e diz que é preciso "perceber porque estão a surgir novamente essas situações".
Albinismo: Uma luta contra a ignorância
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"Governo está a fazer pouco"
O presidente da Associação de Apoio a Albinos de Moçambique (ALBIMOZ) adianta uma possível causa para o ressurgimento destes casos: a falta de coordenação entre o Governo e as organizações no terreno.
"O Governo precisa de respeitar as organizações", afirma William Savanguane. "As organizações é que estão no terreno, conhecem as pessoas. Trabalham diretamente com elas. Então, para as podermos proteger, é preciso que haja reconhecimento dessas organizações. Não que o Governo não faça isso, reconhece, só que está a fazer pouco."
As autoridades já estão a investigar os dois casos reportados este ano, informou a procuradora-geral adjunta, Amabélia Chuquela.
"No primeiro processo de Larde ainda não são conhecidos os autores, ainda está em investigação, mas no segundo processo, em Murrupula, já há três arguidos presos", diz Chuquela.
Saúde em África: Desfazer mitos
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Associação pede lei específica
O assassinato de pessoas com albinismo é praticado por indivíduos que acreditam em poderes mágicos de poções e amuletos produzidos a partir de partes do corpo daquele grupo de pessoas.
Tal prática é alegadamente promovida por médicos tradicionais. Para William Savanguane, que tem defendido a criação de uma lei específica de proteção das pessoas com albinismo, é necessária uma ação enérgica do Governo junto da Associação de Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO).
"Tem que haver a realização de campanhas de consciencialização sobre o papel da AMETRAMO e a denúncia de práticas que não se enquadram no exercício normal da medicina tradicional", alerta Savanguane.
A ALBIMOZ defende ainda uma maior "consciencialização sobre o albinismo, e, nos diferentes meios de comunicação, é preciso combater fortemente os mitos que resultam em discriminação e exclusão."
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.