Acordo de paz com a RENAMO será assinado esta quinta-feira
Leonel Matias (Maputo) | Lusa
31 de julho de 2019
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, anunciou no Parlamento que vai assinar nesta quinta-feira (01.08) o acordo de paz para a cessação definitiva das hostilidades militares com o líder da RENAMO, Ossufo Momade.
Publicidade
Discursando sobre o Estado da Nação esta quarta-feira (31.07), no Parlamento, o Presidente da República de Moçambique garantiu que o acordo de paz com o principal partido da oposição do país vai ser assinado esta quinta-feira, na Serra da Gorongosa, com o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Ossufo Momade.
"Neste documento, as duas partes são responsabilizadas por se abster de todos os atos hostis ou ataques militares contra forças, posições ou propriedades e contra a população em geral", afirmou Nyusi.
O entendimento resulta do diálogo entre Filipe Nyusi com o falecido líder do principal partido da oposição Afonso Dhlakama e, depois, com o atual presidente da RENAMO. Para o chefe de Estado moçambicano, a assinatura do documento, que antecede um acordo de paz e de reconciliação a ser celebrado dentro de dias em Maputo, é "um momento histórico que reafirma a esperança para um futuro risonho".
Desarmamento da RENAMO
Filipe Nyusi confirmou ainda durante o seu discurso sobre o Estado da Nação, no Parlamento, que, na segunda-feira (29.07), teve início o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração do braço armado da RENAMO, também na Serra da Gorongosa, no centro do país.
O Presidente moçambicano informou, igualmente, que o Governo recebeu uma nova lista de oficiais da RENAMO, que são esperados esta quarta-feira em Maputo para integrarem a polícia.
Estado da Nação
O informe de Filipe Nyusi, esta quarta-feira, foi dominado pela apresentação das principais realizações do Governo desde o início do seu mandato, em 2015.
"Moçambique mudou e jamais será como dantes", afirmou Nyusi. "O estado da nação é de esperança e de um horizonte promissor. Temos tudo para dar certo neste país".
Ciclone Kenneth: Famílias ainda esperam realojamento
01:52
O Presidente disse que o seu otimismo se deve, entre outros fatores, ao facto de o país estar a dar passos seguros para uma paz definitiva. Por outro lado, frisou Nyusi, a economia está a estabilizar, com a inflação ao nível de um dígito, e há um reatamento da confiança com os parceiros de desenvolvimento, incluindo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras instituições internacionais.
O chefe de Estado apontou, no entanto, que o país registou um ciclo atípico, em que enfrentou algumas adversidades inéditas, como a suspensão da ajuda internacional direta e as calamidades naturais.
Questões por resolver
Edmundo Galiza Matos Júnior, porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder), considerou que o discurso de Filipe Nyusi foi muito rico.
"Num país que apresentou enormes desafios, não podia deixar de ser excelente a radiografia que se faz do país em todos os setores", disse.
Já o deputado Muhamad Yassine, da RENAMO, considerou que o fundamental no informe do Presidente foram os avanços registados no processo de paz. Yassine observou, no entanto, que o problema da paz resulta de conflitos eleitorais.
Acordo de paz com a RENAMO será assinado esta quinta-feira
This browser does not support the audio element.
Além disso, para o deputado, a situação no país continua má: "Todos nós sabemos que a questão económica não é melhor - o cidadão perdeu o poder de compra", afirmou. E a "criminalidade não diminuiu. Foi neste mandato que surgiram os raptos. E o Presidente da República não explicou o que está a acontecer em Cabo Delgado", onde se registam ataques armados de insurgentes.
Por seu turno, Fernando Bismarque, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), afirmou que, apesar de ser verdade que o país tem tudo para dar certo, como afirmou o Presidente, também é verdade que "a corrupção e a ganância" dos agentes ligados ao regime é tanta que o país está mergulhado numa incerteza económica.
Bismarque defendeu ainda que não é suficiente a integração dos homens da RENAMO na polícia: "É preciso instalar um ambiente de confiança para que o país não vá, em todos os ciclos eleitorais, entrar em leis de amnistia e acordos. Nós temos que, de uma vez por todas, encontrar uma plataforma para a inclusão", apelou.
O acordo de quinta-feira será o terceiro entre o Governo e a RENAMO, depois da assinatura do Acordo Geral de Paz de Roma de 1992 e o acordo de cessação das hostilidades militares em 2014, na sequência de uma nova vaga de confrontos entre as duas partes.
Artigo atualizado no dia 31 de julho de 2019 às 17:47 (CET).
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.