Nyusi defende "reconciliação genuína" em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
5 de abril de 2018
Consensos entre Governo e RENAMO devem espelhar "vontade do povo", diz Presidente moçambicano. Afonso Dhlakama já avisou que só entrega as armas quando os seus oficiais forem integrados nas Forças de Defesa e Segurança.
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Filipe Nyusi defendeu esta quinta-feira (05.04) que os consensos alcançados nas negociações em curso para o estabelecimento de uma paz definitiva no país não devem resultar de "simples arranjos", mas refletir a vontade popular para que possam ter a devida legitimidade.
"Porque se eles não reflectirem as reais vontades populares não poderão revestir-se da necessária legitimidade para se fazerem cumprir com a força da lei", disse o chefe de Estado no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), numa palestra subordinada ao tema "Ambiente Internacional e Doméstico para a Paz em Moçambique: Atores Consensos, Desafios e Perspetivas".
Falando perante a comunidade académica, governantes, políticos e diplomatas, Nyusi disse acreditar no alcance de uma paz duradoura no país, mas indicou que o longo processo de procura de entendimento prova que mais do que acordos formais é necessário criar uma cultura de diálogo e convívio na diferença.
Nyusi defende "reconciliação genuína" em Moçambique
"Este processo exige tempo e paciência, mas pede sobretudo verdade, franqueza e confiança. Nenhuma receita política pode resolver a proximidade humana que é feita por pessoas concretas que aprendem a escutar o outro e a pensar em conjunto o que antes era matéria de conflito", declarou.
O Presidente disse esperar que, dentro em breve, o Parlamento aprove o pacote sobre descentralização e na mesa negocial se alcancem consensos sobre o desarmamento, desmobilização e reintegração das forças residuais da RENAMO:
"Não é possível paz com armas"
As declarações de Filipe Nyusi acontecem depois de o líder da RENAMO, Afonso Dlakhama, ter afirmado, numa entrevista publicada terça-feira (03.04) no semanário Canal de Moçambique, que os processos de descentralização e do desarmamento das suas forças não têm necessariamente que decorrer em simultâneo.
Dlakhama disse que a RENAMO o só vai entregar as armas em poder das suas forças residuais quando os oficiais do principal partido da oposição forem integrados no comando das Forças de Defesa e Segurança.
"Todos pela paz em Moçambique"
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Por seu turno, o Presidente reagindo a estas declarações, defendeu que os dois processos devem decorrer em simultâneo. "Como é que pode haver paz com armas?", questionou Filipe Nyusi. "Numa das ocasiões ouvi que não tinha que se esperar uma coisa e outra (para que aconteçam) em paralelo. Não é possível paz com armas. Não há em nenhuma parte do mundo, nem sequer se pode deixar que isso aconteça", disse.
O Presidente defende que a paz é um projecto coletivo que deve ser preservado por todos os moçambicanos. "Precisamos de ter disposição para perdoar uns aos outros e para iniciar um processo genuíno de reconciliação", lembrou.
Desafios democráticos
Filipe Nyusi admitiu que as liberdades democráticas e o crescimento da cidadania mudaram radicalmente a sociedade moçambicana, provavelmente a uma velocidade mais rápida que o crescimento de maturação dos processos democráticos.
Apontou também que o próprio processo de consolidação do Estado de direito democrático enfrenta desafios resultantes da dinâmica interna condicionados pela política e cultura locais, muitas vezes não necessariamente favoráveis aos preceitos democráticos liberais.
Outro desafio situa-se no domínio do acesso aos recursos naturais. Segundo o Presidente, existem algumas percepções indicando que a maioria dos moçambicanos tem sido excluída desses recursos. "Todos esses processos carecem de um debate franco, aberto, livre e com respeito de quaisquer tipo de amarras, sobretudo as partidárias, para que coloquemos o projeto comum acima de todos os nossos interesses", reconheceu.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.