Chefe de Estado moçambicano garantiu no elogio fúnebre a Afonso Dhlakama que a "construção da paz" vai continuar com a nova liderança da RENAMO.
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Mais de seis mil pessoas estiveram esta quarta-feira (09.05) na cidade da Beira para dizer adeus ao líder da RENAMO Afonso Dhlakama que faleceu na passada quinta-feira (03.05). As cerimónias fúnebres decorreram no largo da estação dos Caminhos de Ferro de Moçambique, que foi pequena para receber os residentes e os políticos, diplomatas e figuras públicas.
O corpo do líder histórico da RENAMO foi velado por quatro militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
No local, foram vários os discursos que destacaram a dedicação de Afonso Dhlakama na luta pela democracia.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, sublinhou que Dhlakama é uma figura que fica para a histórica do país e garantiu que tudo fará para que as conversações de paz que começou com Dhlakama continuem agora com a nova liderança do maior partido da oposição.
"A partida prematura do nosso compatriota não deve constituir um revés neste processo de diálogo. Estaremos honrando a sua memória se soubermos concluir um responsável e célere diálogo político que agora se encontra sobretudo centrado no processo de descentralização, do desarmamento, da desmobilização e da reintegração ".
"Não se acobardem, sejam Dhlakama"Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da RENAMO e sobrinha de Dhlakama, voltou a lançar um apelo aos moçambicanos, sobretudo aos jovens, para seguirem os passos do tio.
"Ele partiu mas ficamos nós os seus continuadores, o seu sonho de um pais livre e democrático onde moçambicanos verdadeiramente iguais tem oportunidades e direitos. Compatriotas de hoje em diante exorto-vos: não se acobardem, sejam Dhlakama".
Por seu turno, Maria Chiara Turrini, representante em Moçambique da Comunidade de Sant'Egidio, que mediou o Acordo Geral de Paz de 1992, apontou que o país perdeu uma grande figura, que lutou lado a lado com o povo para o "futuro brilhante" da nação.
"Acho que o povo moçambicano quer a paz com certeza. O Presidente da República e o presidente Dhlakama começaram um diálogo e parece que todos estão se expressando no sentido de continuar este diálogo". "O Presidente [Nyusi] foi muito claro e parece-me que também do lado da RENAMO há esta vontade de continuar com o diálogo, que de facto tinha dado muita esperança. Parecia que tinha dado passos em frente para encontrar uma solução para os problemas da descentralização", sublinhou Turrini.Momento de reconciliaçãoO embaixador da Suíça em Moçambique, Mirko Manzoni, presidente do grupo de contacto para a paz no país, considera que Moçambique atravessa um "momento da reconciliação".
"As palavras do Presidente Nyusi foram muito claras: é momento da reconciliação. Não podemos construir divisões, temos de construir o futuro de Moçambique e o futuro de Moçambique é paz", referiu.
O grupo de contacto, que liderado por Manzoni, tem participado no diálogo entre o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e Dhlakama."Quanto aos próximos passos, vamos trabalhar agora", disse. "Creio que foi claro: o presidente da RENAMO gostava de uma solução rápida. É possível, creio que vai ser possível", referiu, numa altura em que faltam cinco meses para as eleições autárquicas.
Nyusi garante construção da paz com nova liderança da RENAMO
Nyusi e Dhlakama já tinham expressado o desejo de ver aprovadas alterações à Constituição, no âmbito do acordo de descentralização administrativa que assinaram, para vigorar a tempo da votação.
Manzoni diz guardar "memórias intensas" do líder da oposição moçambicana.
"O líder da RENAMO era um homem aberto ao diálogo e por essa razão temos esperança que uma solução pode ser alcançada em curto prazo", concluiu.
Afonso Dhlakama vai ser sepultado esta quinta-feira na sua terra natal, Mangunde, a cerca de 300 quilómetros da Beira.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.