Nesta quarta-feira (19.02), Moçambique rende a última homenagem ao membro fundador da FRELIMO. Marcelino dos Santos faleceu no dia 11 de fevereiro e terá funeral público na Praça dos Heróis Moçambicanos, em Maputo.
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Marcelino dos Santos é tido por historiadores, jornalistas e realizadores como um homem que manteve a linha da "FRELIMO histórica" e defensor do bem-estar do povo.
Nesta quarta-feira (19.02), realiza-se o funeral do veterano da luta armada na cripta da Praça dos heróis, uma cerimónia antecedida pela leitura de várias mensagens. O político faleceu no dia 11 de fevereiro.
Em vida, Marcelino dos Santos idealizou e defendeu um socialismo de orientação marxista-leninista como a melhor opção para o combate à pobreza em Moçambique.
O nacionalista criticou durante as suas intervenções a mudança do socialismo para a economia de mercado e chegou a revelar que esse assunto não foi discutido no partido que está no poder há quatro décadas.
O jornalista e historiador Refinaldo Chilengue acredita que isto faz sentido, porque Marcelino dos Santos manteve a sua coerência política cultivada desde os tempos da luta pela independência. Chilengue acha que ele resistiu às mudanças que outros companheiros de luta fizeram após a proclamação da independência.
O abandono do marxismo-leninismo
"Ele, como ser humano, pode ter tido desequilíbrios no seu desempenho mas, no fundamental, Marcelino dos Santos manteve a sua rigidez ideológica", avalia o historiador Chilengue.
O capitalismo era um modelo impensável na altura da proclamação da independência, mas - a partir de 1987, quando Moçambique abre-se ao liberalismo económico - muitos membros da FRELIMO foram criticados por Marcelino por terem enriquecido de forma rápida.
Para Chilengue, Marcelino dos Santos não tem histórias de acumulação de fortunas - pelo menos que seja público. Isso revelaria o sentido socialista que mantinha.
"É dos que não se conhecem grandes fortunas, [ele] não se meteu em grandes negócios de origem duvidosa. Ele morreu defendendo - pelo menos publicamente - aquela filosofia inicial que tivemos conhecimento quando a FRELIMO chegou [ao poder] oficialmente em 1974", destaca.
"Kalungano"
O realizador cinematográfico Sol de Carvalho considera que "Kalungano" - um pseudónimo adotado por Marcelino dos Santos em seus poemas - é uma história que ainda tem de se desvendar.
O adeus a Marcelino dos Santos
Carvalho entende que a história de Major-General remete aos moçambicanos a uma reflexão para ser saboreada com objetividade.
"Hoje, se calhar, ainda há muitos preconceitos, muitas vontades que não são muito coincidentes e que provocam algum atrito nessa visão histórica objetiva. Mas o tempo vai dizer porque ele marcou de fato uma geração", pondera Carvalho.
Quando Moçambique alcançou a independência, em Junho de 1975, houve cenários políticos e económicos que pressionavam o país a mudar de sistema político.
Mesmo assim, segundo o jornalista cultural Belmiro Adamgy, o poeta Marcelino dos Santos continuou com o seu sonho.
"Porque ele continuou a ser uma pessoa lúcida, bastante interventiva quando tinha oportunidade de falar, ele nunca se coibiu de falar o que pensava, o que mostra que ele tinha bem presente na cabeça dele as coisas que ele queria e os seus colegas que participaram na luta armada", avalia Adamgy
Kalungano em algumas ocasiões ficou desencantado com alguns membros do partido por terem tirado proveitos pessoais, como analisa ainda o jornalista.
"Não concordava com isso. Ele dizia que não era com isso que Mondlane sonhava e que, nalgum momento, algumas pessoas tinham confundido os objetivos para os quais a FRELIMO tinha sido criada".
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.