Os filhos do PR de Moçambique não se coibem de exibir vidas faustosas, de origem inexplicável, enquanto os seus compatriotas vão empobrecendo cada vez mais em Cabo Delgado e não só. A indignação toma conta do povo.
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Indignam e dão que falar nas redes sociais as imagens do ostentoso casamento do filho mais velho do Presidente da República (PR) de Moçambique, Jacinto Ferrão Filipe Nyusi. Parte da cerimónia, restrita, terá acontecido no Consulado de Moçambique no Dubai e a outra parte, mais sumptuosa, num hotel luxuoso, onde a diária mais barata ronda os mil euros e a festa de um casamento custa cerca de 250 euros a cabeça. O descendente de Filipe Nyusi disse o "sim" num lugar idílico, numa imensidão de flores brancas que de plástico não devem ser... Uma celebração que terá iniciado nas caríssimas Ilhas Maldivas.
A celebração sumptuosa acontece numa altura em que país vive uma guerra em Cabo Delgado e o Governo não tem meios suficientes para acabar com ela e nem para assistir condignamento os deslocados de guerra, dependendo de apoio externo.
Em abril, numa entrevista à DW sobre o terrorismo no norte do país, o pesquisador português Fernando Cardoso colocou o dedo na ferida, afirmando que "[os governantes] preocupam-se com os maseratis dos filhos, com as festas dos filhos e com eles próprios. Isto afasta a população do Governo. E estamos perante uma população em Cabo Delgado, que por um lado, vê uns a cortarem os pescoços e os outros a não quererm saber deles para nada. E se querem saber é para lhes pagarem meios tostões para sairem das terras que cultivavam ou das áreas onde pescavam para a mineração e depois para as comissões, etc."
Os desmandos e a impunidade
A população mais carenciada ficou mais pobre devido às limitações causadas pela pandemia de Covid-19 e também por causa das dívidas ocultas, um processo manchado por corrupção em que o nome do Presidente aparece envolvido.
Contudo, até hoje o "empregado do povo" não esclareceu ao seu "patrão" sobre as alegações. Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), "dois milhões de moçambicanos foram empurrados para a pobreza absoluta, de 2016 a 2019", por causa do maior escândalo financeiro do país, que envolve cerca de dois mil milhões de euros.
Os filhos do Presidente há anos que atingem os moçambicanos não apenas com a ostentação, mas principalmente com o desrepeito pelas leis e regulamentos do Estado.
Ainda em abril passado, o filho recém casado, Jacinto Ferrão Filipe Nyusi, deu uma faustosa festa em Moçambique, com direito a estrelas da praça local, e, supostamente, até com direito a guarda paga pelos impostos do cidadão, num claro desrespeito ao confinamento determinado pelo PR. Isso causou revolta, afinal a mensagem que se passa é de que as leis são apenas para o povo.
O PR tem ainda um filho que já habituou os moçambicanos aos seus desmandos, Florindo Nyusi, sendo os rallys de carros de alta cilindrada pela cidade de Maputo os mais conhecidos. A polícia é desautorizada e se deixa evidente a impunidade.
Por outro, não estão justificadas as origens dos bens que o clã Nyusi exibe. Com menos de 40 anos, os filhos não terão tido a oportunidade de acumular o que ostentam.
Por exemplo, em finais de 2019, o CIP revelou que "Jacinto Ferrão Filipe Nyusi, filho do Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, em julho de 2014, adquiriu uma vivenda localizada num bairro da elite, em Cape Town, avaliada em mais de 245 mil euros, e em Outubro de 2017, vendeu o mesmo imóvel".
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Discrição e bom senso importam?
"O que os olhos não vêem o coração [partido] não sente", diz o adágio popular. Alguns moçambicanos indignados nas redes sociais são apologistas da discrição e do bom senso, mesmo que as vida luxuosa que ostentam seja de origem lícita. Mas estarão eles interessados nisso?
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)