Na província ao norte de Moçambique, somente no mês de setembro, mais de dez agentes da Polícia foram acusados de corrução. PRM reconhece problema e fala em combate. Motoristas admitem participação e culpam a crise.
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A corrupção policial tem aumentado nos últimos tempos em Moçambique, em particular na província de Nampula, consideram os automobilistas que dizem serem as maiores vítimas nas estradas daquela província.
Muitos deles são condutores que praticam os serviços púbicos, com destaque para o transporte de pessoas e bens, tanto nos trajectos de curta quanto de longa distância.
Donaldo Paulo é motorista de transporte público há mais de cinco anos. À DW-África, mostra-se preocupado devido ao aumento da corrupção nos últimos anos em vários sectores de atividades, principalmente nas estradas da cidade e da província.
Corrupcao Nampula OL - MP3-Stereo
"A própria Policia é que traça estratégias para o próprio condutor realizar o suborno. Os agentes reguladores de trânsito não querem saber. Mesmo que você apresente todos os documentos possíveis da viatura, eles arranjam uma desculpa para reter os seus documentos, ameaçar de impedir de conduzir e outras coisas que não estão na lei e nós, por medo, acabamos subornando", lamenta.
Culpa da crise
Paulo culpa a crise económica e financeira que Moçambique atravessa desde princípios de 2015, com as descobertas das chamadas dívidas ocultas que causaram a desistência de apoios ao país por parte dos doadores, como a principal razão que leva ao recrudescimento das extorsões e corrupção por parte da Polícia.
"É por causa da fome, [da] crise. Porque nós já sabemos que o nosso país está a enfrentar dificuldades que afectam quase todos os sectores e, então, as pessoas estão revoltadas nos seus sectores e, com essa revolta, a população é que sofre. Neste caso nós, os condutores", justifica.
Para este condutor, a corrupção nunca vai acabar, apesar dos aparentes esforços e promessas do Governo de fazer o seu combate cerado.
"Será muito difícil acabar a corrupção, a não ser que comecem a rever a Constituição da República e os condutores devem saber as leis. Com isso, vamos combater a corrupção. E o agente, quando se apercebe que você não conhece as leis [de estradas], ele vai se aproveitar", considera.
Motoristas também contribuem
Albino Alexandre é um outro condutor profissional. Está na estrada há pouco mais de oito anos. Transportar passageiros e carga é a única forma que tem de ganhar dinheiro. À semelhança de Paulo, Albino lamenta a onda da corrupção nas vias públicas, mas divide a culpa entre os automobilistas e os agentes da Polícia de Transito.
"Nós também procuramos corromper a Polícia. Há polícias que não pedem nada e nós colocamos dinheiro nos documentos e, às vezes, ele não resiste. A corrupção nas estradas, não tem como acabar. Nós também somos culpados", afirma.
Esta dura realidade acontece numa altura em que há vários apelos e comprometimentos de combate à corrupção, vindos de quase todos os níveis do lado do Governo.
Contudo, os nossos entrevistados querem que, fora de discursos lindos, sejam feitos trabalhos concretos e criadas melhores estratégias para o combate ao fenómeno.
Polícia incentiva denúncias
Entretanto, a Polícia da República de Moçambique (PRM), através do seu porta-voz em Nampula, reconhece o envolvimento dos seus agentes em atos de corrupção. Zacarias Nacute, além de informar medidas a serem tomadas, desencoraja os automobilistas a incentivarem o alastramento do problema, denunciando os profissionais da corporação pela prática.
"A Polícia é exemplar e muito contundente face a questões de indisciplina e todos os indivíduos que são indiciados em algum acto criminal - após ser provado o seu envolvimento - são responsabilizados criminalmente e disciplinarmente. Temos feitos constantemente palestras de forma a incutir nos nossos colegas a necessidade de se manterem íntegros no cumprimento da atuação da função policial", garante.
Só em setembro último, pelo menos dez agentes da Polícia, entre eles de Trânsito e de Investigação Criminal, teriam sido processados por actos de extorsão - alguns deles flagrados nas vias púbicas. Neste momento, estão em curso processos criminais e disciplinares, segundo avançou Francisco Baúque, porta-voz do Gabinete Provincial de Combate à Corrupção em Nampula.
"O que a gente pretende é que eles sejam responsabilizados e tudo fica a critério do juiz. Tratando-se de flagrante delito, raramente els não são condenados. Quando acusamos pelos crimes, temos comunicado as instituições para a instauração de processos disciplinares e não deixamos por aí", afirma.
O porta-voz do Gabinete Provincial de Combate à Corrupção em Nampula garante ainda que a sua instituição não irá tolerar atos de corrupção e quer que a população continue a denunciar.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.