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O fenómeno El Niño vai regressar este ano?

Ajit Niranjan | ms
30 de janeiro de 2023

Há 6 anos, Moçambique sofreu bastante com o fenómeno climático El Niño. Cientistas alertam que em 2023 todo o planeta pode sofrer as consequências de um possível regresso do fenómeno e enfrentar temperaturas mais altas.

Passagem do ciclone Idai pela Beira (2019)
Passagem do ciclone Idai pela Beira (2019)Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Onyodi

Moçambique está entre os três países em África mais expostos a fenómenos climáticos extremos. Há seis anos, o país foi muito afetado pelo fenómeno meteorológico  El Niño, que leva ao aumento das temperaturas.

E é provável que em 2023 ainda sinta os efeitos do fenómeno oposto, conhecido como La Niña, que ultimamente tem sido associado a um número crescente de ciclones e ao excesso de chuva no sul e no centro de Moçambique.

Só na última década, o país foi atingido por cinco ciclones e duas tempestades tropicais, afetando um total de 3,8 milhões de pessoas, segundo dados da Rede de Alerta Antecipado de Fome (FEWS, na sigla em inglês).

Em 2022, as catástrofes naturais afetaram mais de um milhão de pessoas e causaram danos significativos nas infraestruturas.

O Governo moçambicano estima que há 1,7 milhões de pessoas que correm o risco de ser afetadas por ciclones, inundações e secas na estação chuvosa de 2022/2023.

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Ventos de mudança?

2022 foi o quinto ou sexto ano mais quente de que há registo. Uma mudança natural dos ventos do Oceano Pacífico pode fazer subir ainda mais as temperaturas globais em 2023, causando estragos a nível mundial - desde chuvas fortes na Califórnia a ondas de calor na Europa, passando por secas em vários países, do Brasil à Indonésia.

É o que alguns cientistas calculam que possa acontecer este ano, embora advirtam que não saberão ao certo o que irá acontecer até maio.

Um estudo publicado na semana passada estima que há cerca de 90% de hipóteses de o fenómeno El Niño regressar este ano.

"Prevemos que será um evento moderado a forte - mais de 1,5 graus Celsius (2,7°F)", disse Josef Ludescher, cientista do Instituto Potsdam para a Investigação do Impacto Climático na Alemanha e autor principal do estudo.

As secas prejudicam ainda mais os países que já lutam com o aumento dos preços dos alimentosFoto: picture alliance/dpa/epa/S. Morrison

A concretizar-se, tal mudança tornará as ondas de calor mais quentes e perturbará os padrões climáticos em todo o mundo.

Há muito que os cientistas lutam para descobrir qual o papel desempenhado pelo aquecimento global.

"El Niño é responsável por muitos eventos extremos", diz Regina Rodrigues, oceanógrafa da Universidade Federal de Santa Catarina, no Brasil, que não esteve envolvida no estudo. "Todos os países, de uma forma ou de outra, são afetados", acrescenta.

O que são El Niño e La Niña?

El Niño e La Niña são nomes usados para descrever fenómenos atmosféricos complexos caraterizados sobretudo por mudanças de vento e de temperatura no Oceano Pacífico.

Os ventos no oceano podem assumir uma de três fases. Uma é neutra, quando sopram de Este para Oeste. Outra é o chamado El Niño, quando os ventos abrandam ou até param. E existe ainda o fenómeno La Niña, quandos os ventos são mais fortes.

Pode-se pensar no Oceano Pacífico - que cobre um terço da Terra - como uma banheira de água fria com uma ventoinha perto das torneiras. Se abrirmos a torneira quente durante alguns segundos e ligarmos o ventilador, a brisa soprará uma corrente de água quente da torneira até ao fim da banheira. Em anos normais, é desta forma que os ventos empurram o calor da América do Sul para a Ásia.

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Mas durante o fenómeno El Niño, as mudanças de calor e pressão param a ventoinha, deixando mais água quente no meio da banheira - ou seja, mais perto da América do Sul. Por isso, é mais provável que se evapore e forme nuvens de chuva em locais onde normalmente não são esperados.

"De repente, pode cair muita chuva perto da costa do Peru", explica Erin Coughlan de Perez, autora do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas da ONU (IPCC) e cientista do Centro Climático da Cruz Vermelha. 

Os efeitos do fenómeno El Niño estendem-se muito acima do Oceano Pacífico e através da Terra. "As nuvens altas empurram a atmosfera e desencadeiam ondas [atmosféricas]", que perturbam o clima em todo o planeta, explica a oceanógrafa Regina Rodrigues.

As alterações climáticas causam estes fenómenos?

El Niño e La Niña são fenómenos naturais. Os cientistas não conseguiram ainda descobrir ao certo o que os causa, mas através de recifes de coral e de anéis das árvores sabem que sempre variaram.

Há algumas provas de que estes fenómenos se tornaram mais fortes, mas não é claro se isso aconteceu meramente por acaso.

Moçambique é um dos países africanos mais expostos a fenómenos climáticos extremos Foto: Getty Images/AFP/Y. CHiba

Segundo o IPCC, um organismo científico da ONU que avalia regularmente trabalhos de investigação sobre as alterações climáticas, alguns modelos mostram o fenómeno El Niño a ficar mais forte no futuro, enquanto outros o veem a enfraquecer.

O IPCC também descobriu que os efeitos dos eventos extremos El Niño e La Niña podem tornar-se mais fortes à medida que o planeta aquece. Como o ar mais quente pode absorver mais humidade, El Niño pode significar mais queda de chuva, diz Ludescher.

Ao queimar combustíveis fósseis e destruir florestas, a humanidade aqueceu o planeta 1,2ºC graus desde a Revolução Industrial.

As temperaturas globais aumentaram cerca de 0,1ºC durante os anos do fenómeno El Niño. Já nos anos de La Niña, caíram aproximadamente na mesma quantidade.

Porque é que El Niño e La Niña são importantes?

Muitas previsões meteorológicas sazonais dependem da previsão correta da fase e da força dos fenómenos El Niño e La Niña. E essa informação pode ajudar todas as pessoas.

"Isto não é apenas interessante teoricamente, é uma informação útil", afirma Coughlan de Perez. Por exemplo, os governos locais podem fazer planos de alerta precoce relativos a ondas de calor e criar sistemas para proteger os residentes idosos, que correm maior risco de morte.

"O que está em causa é a nossa preparação e como podemos sobreviver num mundo em aquecimento", conclui Perez.

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