O impacto da Primavera Árabe na África Subsaariana
Silja Fröhlich
17 de dezembro de 2020
A revolução que mudou para sempre o Médio Oriente completa dez anos. Entretanto, segundo analistas, a probabilidade de uma "Primavera Africana" é pequena diante do retrocesso da democracia em alguns países africanos.
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Milhares de manifestantes cansados dos seus regimes autoritários sairam às ruas, a partir de 17 de dezembro de 2010, em vários países árabes em protesto contra o sistema.
Um mês após uma revolução popular na Tunísia, o antigo chefe de Estado Zine el-Abidine Ben Ali, no poder havia 23 anos, foi deposto. Seguiram-se o Presidente do Egito, Husni Mubarak, o líder do Iémen, Ali Abdullah Salih, e o ditador da Líbia, Muammar al-Kaddafi.
A Primavera Árabe trouxe a esperança de um novo começo para muitos jovens. Mas, passada uma década, os regimes repressivos, as guerras civis e o jihadismo continuam a fazer parte do dia a dia das populações. Ou seja, os problemas não só não ficaram resolvidos, como em alguns casos, se intensificaram.
Ainda assim, entende o professor da Universidade de Leipzig Robert Kappel, a Primavera Árabe serviu de inspiração para muitos países do globo.
"Acredito que muitos movimentos africanos que defendem mais democracia e abertura foram inspirados pelo que aconteceu nos países do norte de África e no Médio Oriente. A Primavera Árabe veio reforçar, também no continente africano, a necessidade de afastar os regimes autoritários, a opressão, a supressão da liberdade de imprensa e a luta pelos direitos humanos", explica.
Em 2014, no Burkina Faso, por exemplo, milhares de pessoas protestaram contra a recandidatura do Presidente Blaise Compaoré, que governava o país havia 27 anos. E, mais recentemente, em 2019, no Sudão, o então Presidente Omar al-Bashir foi derrubado, após meses de protestos.
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Duas realidades incomparáveis
No entanto, alertam os analistas ouvidos pela DW, não há como comparar o que se viveu no norte de África com as realidades dos países da África Subsaariana.
"Muitos países da África Subsaariana já eram e continuam a ser mais avançados em termos de liberdade do que os países da região árabe. Entre eles, existe apenas uma ligeira afinidade cultural. Na África Austral, as pessoas tendem a olhar muito mais para os países vizinhos ou para os países europeus", esclarece Matthias Basedau, diretor do Instituto de Estudos Africanos (GIGA), com sede em Hamburgo, na Alemanha.
Questionado se pode a região, ainda assim, temer uma "Primavera Africana", Gilbert Achcar, professor de Relações Internacionais na Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, diz que não.
"Os países da África Subsaariana não têm a mesma crise estrutural que existia nos países de língua árabe. Os países do Médio Oriente e norte de África tiveram a maior taxa de desemprego juvenil do mundo durante várias décadas. A magnitude da crise não é igual à que se vive nos países da África Subsaariana. Aqui, há lutas por política e eleições, mas é diferente de um movimento que visa derrubar todo o sistema", explica.
Também na opinião de Robert Kappel, a probabilidade de existir uma "Primavera Africana" é pequena, mas não pelos melhores motivos. É que, segundo este especialista, existe atualmente um "retrocesso do movimento democrático em alguns países africanos".
"O armamento maciço da polícia, o comportamento autoritário, o espezinhar dos direitos constitucionais como aconteceu na Costa do Marfim, para que o Presidente se pudesse recandidatar, está a fazer recuar os movimentos democráticos", conclui.
Cronologia da Guerra na Síria
Começou com protestos pacíficos em 2011, mas tornou-se numa guerra civil que já matou 350 000 pessoas e fez milhões de refugiados. Um conflito complexo com vários atores e repercussões à escala internacional.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2011: O início e uma Primavera que não foi
A “Primavera Árabe” estende-se à Síria e começam a emergir protestos contra a família Assad, que lidera o país há mais de quarenta anos. O movimento contra o Governo ganhou amplitude na cidade de Deraa, no sul, alargando-se a todo o país. Ao contrário de outros países, onde as manifestações resultaram em mudanças quase imediatas, na Síria marcavam o início de um conflito sem fim à vista.
Foto: picture-alliance/dpa
2012: Escalada de violência e formação da oposição
A violenta repressão por parte de milícias do Governo de al-Assad contra manifestantes desarmados fez escalar a onda de violência. Grupos da oposição, representativos das diferentes ideologias e fações religiosas, começam a organizar-se a partir de 2011, como o Conselho Nacional Sírio, o Comité de Coordenação Nacional, o Exército Livre da Síria (foto) e o Conselho Nacional Curdo.
Foto: AP
2013: Desmantelamento de arsenal químico
Um ataque químico em dois setores rebeldes perto de Damasco, atribuído ao regime de al-Assad, faz mais de 1400 mortos, de acordo com os Estados Unidos. O regime sírio desmente. O então Presidente dos EUA, Barack Obama, estabelece com a Rússia um acordo de desmantelamento de armas químicas da Síria. Em outubro, Damasco inicia a destruição do seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2014: A ameaça do "Estado Islâmico"
Apoiada por Washington, uma coligação de mais de 60 países realiza ataques aéreos contra as posições do autointitulado “Estado Islâmico” (EI) na Síria. Cerca de 2000 militares norte-americanos são colocados no norte da Síria, para combater o EI e treinar as forças locais. Em junho, o EI proclama "um califado", e torna a cidade síria de Raqa na sua capital.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2015: Rússia entra abertamente no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao Governo sírio, entra ativa e abertamente no conflito. Inicia uma campanha de bombardeamentos aéreos em apoio às forças de Bashar al-Assad, que leva o Governo sírio a recuperar território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
Em setembro, num único fim de semana, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos pelas forças pró-Assad. Em dezembro, após quatro anos de controlo desta cidade, a segunda maior da Síria, as milícias rebeldes acabam por perder Aleppo para as forças governamentais.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque químico em Idleb
Um ataque de gás sarin mata mais de 80 civis em Khan Cheikhoun, localidade da província de Idleb, controlada pelos rebeldes e por 'jihadistas'. O regime de Bashar al-Assad é, uma vez mais, acusado de uso de armas químicas. O Presidente dos EUA, Donald Trump, ordena ataques à base aérea Síria de Al-Chaayrate, no centro do país.
Foto: picture alliance/AA/A.Dagul
2017 : Retoma de Raqa
Em outubro, depois de meses de luta, as forças democráticas sírias, dominadas por curdos e apoiadas pela coligação internacional, tomam o controlo de Raqa. A cidade esteve três anos sob o domínio do autointitulado “Estado Islâmico”.
Foto: DW/F. Warwick
2018: Turquia invade Síria e controla Afrin
Em janeiro, a Turquia, que mantinha um dispositivo militar no norte da Síria, lança uma grande ofensiva contra a milícia curda, as Unidades de Proteção do Povo (YPG), em Afrine. Em março, a Turquia acaba por tomar controlo desta cidade. As milícia curda YPG é considerada um grupo terrorista pelo Governo turco, pois é o braço sírio da organização curda da Turquia, o PKK.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Forças pró-Assad bombardeiam e retomam Ghouta Oriental
O regime sírio lança uma ofensiva aérea e terrestre, de intensidade inédita, sobre o enclave rebelde de Ghouta Oriental, perto de Damasco. A ação resulta em mais de 1700 mortos, entre os quais crianças. Em abril, depois de bombardeamentos devastadores, mas também de acordos de evacuação patrocinados pela Rússia, o regime assume o controlo de Ghouta Oriental, último bastião dos insurgentes.
Foto: Getty Images/AFP/A. Almohibany
14 de abril de 2018: A resposta do Ocidente
EUA, França e Reino Unido realizam uma série de ataques contra alvos associados à produção de armamento químico na Síria, em resposta a um alegado ataque com armas químicas em Douma, Ghouta Oriental, por parte do Governo sírio. Trump justifica os ataques como uma resposta à "ação monstruosa" do regime de Assad contra a oposição e prometeu que a operação durará "o tempo que for necessário".