Guerras civis, movimentos de libertação e amizade entre as nações: O fim da Guerra Fria também mudou África. Mas o impacto mais imediato foi sentido pelos moçambicanos, angolanos e outros africanos que viviam na RDA.
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"Para todos os países parceiros da RDA, a queda do Muro de Berlim teve consequências imensas, especialmente para Estados africanos como Moçambique, Angola e Etiópia", diz Markus Meckel, o último ministro dos Negócios Estrangeiros da extinta República Democrática da Alemanha (RDA), pouco antes da reunificação em 1990.
A RDA tinha estabelecido relações especiais com vários países africanos como a Etiópia, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau ou Tanzânia, mas também com movimentos de libertação como a SWAPO, na Namíbia, ou o ANC, na África do Sul. A RDA apoiou estes países e organizações na "construção do socialismo" com acordos comerciais preferenciais, programas de formação e ajuda ao armamento. "Tudo isto acabou muito depressa depois da queda do Muro de Berlim", recorda Meckel.
Nos poucos meses em que cumpriu as funções de chefe da diplomacia da RDA, não lhe sobrou muito tempo para as relações com os "países irmãos socialistas" em África, admite Meckel. "Eu tentei lidar com o tema África, mas as prioridades naqueles tempos conturbados eram outras. A RDA deixou subitamente de ser um parceiro para muitos Estados e organizações em África. Os países tiveram de se reorientar de um dia para o outro", disse Meckel à DW.
"Não sabíamos o que estava a acontecer"
Os cerca de 20.000 estudantes e trabalhadores contratados de Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Etiópia, que viviam na RDA no final dos anos 80 também foram diretamente afetados pelas mudanças. O moçambicano Adelino Massuvira João tinha 28 anos e trabalhava numa fábrica em Suhl, na Turíngia, no âmbito de um tratado de amizade internacional.
"Após a queda do Muro de Berlim, os nossos contratos de trabalho foram rescindidos e ficámos desempregados. A maioria de nós teve que voltar para Moçambique", recorda Massuvira em entrevista à DW. A queda do Muro de Berlim atingiu os africanos na RDA completamente despreparados e deixou-os desamparados.
A Alemanha e os alemães estavam ocupados com os seus próprios problemas. Moçambique vivia uma guerra civil entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e os rebeldes anticomunistas da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). "Deixaram-nos em apuros", diz Massuvira.
O discurso oficial da amizade internacional nunca passou de teoria. A RDA estava interessada principalmente em exportar a ideologia comunista, confirma o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Meckel: "Foram transferidas e apoiadas estruturas ideológicas e de repressão". No contexto do conflito Leste-Oeste, tratava-se, sobretudo, de encaminhar o maior número possível de Estados africanos para o socialismo, sem olhar a meios.
Guerra Fria em solo africano
Quando o Muro de Berlim caiu, vários países africanos estavam em guerra civil, ou, para ser mais exato, em guerras por procuração entre os blocos ideológicos da Guerra Fria. Após a independência de Portugal em 1975, em Angola, a União para a Independência Total de Angola (UNITA), apoiada pelos Estados Unidos da América e alguns políticos alemães combatia o Movimento pela Libertação de Angola (MPLA), apoiado pela União Soviética e a RDA. Em Moçambique, um conflito opunha o Governo marxista da FRELIMO à RENAMO, abertamente apoiada pelo regime de apartheid na África do Sul.
Quando caiu o muro, o angolano Orlando Ferraz era um jovem estudante de língua e literatura russas no Instituto Pushkin, em Moscovo, uma forja de funcionários do partido, também de países africanos. Ferraz recorda que celebrou o dia com muitos estudantes da Alemanha Oriental e que estava muito feliz pelos seus colegas alemães. Pouco depois, regressou a Angola para trabalhar como funcionário do MPLA.
Após o fim da Guerra Fria, diz, muitas coisas mudaram radicalmente: "Os efeitos da queda do Muro de Berlim no meu país foram enormes. Angola tinha laços estreitos com a RDA - sobretudo a nível ideológico, mas também militar. Durante anos, a RDA apoiou o MPLA na guerra contra os rebeldes da UNITA, que foram ideologicamente apoiados pelo Ocidente. Estas velhas alianças entraram em colapso repentino".
A partir daí, a brutal guerra civil angolana deixou de ser alimentada por ideologias vindas do estrangeiro. De repente, tornou-se uma guerra puramente angolana, recorda Ferraz. Isto levou a uma lenta aproximação entre as duas partes em conflito. Alguns anos mais tarde, foi assinada a paz.
A história em Moçambique foi semelhante, recorda o ex-trabalhador da RDA, Adelino Massuvira João: "Não demorou muito para que os tratados de paz entre a FRELIMO marxista e a RENAMO, que era apoiada pelo Ocidente, fossem assinados depois da queda do Muro de Berlim". Moçambique deixou de ser um campo de ensaio para o conflito Leste-Oeste, segundo Massuvira, que foi um dos poucos trabalhadores contratados da antiga RDA que pôde permanecer em Suhl e agora trabalha para a Igreja Protestante. E conclui: "A queda do Muro de Berlim contribuiu muito para a paz no continente africano".
Repercussão da queda do muro na política africana
"Em geral, a queda do muro reduziu as opções políticas de muitos países africanos, porque a competição entre Oriente e Ocidente dava-lhes a oportunidade de jogar um sistema conta o outro", disse à DW Berthold Unfried, da Universidade de Viena.
O professor de História investigou a ajuda ao desenvolvimento durante a Guerra Fria em arquivos policiais e na Tanzânia e na Etiópia. Tanto a RFA como a RDA estavam ativas nos dois países africanos, recorda Unfried: "Como país parceiro da RDA, a Etiópia cooperou em certa medida com a RFA ao mesmo tempo. O mesmo se aplica à Tanzânia, onde a RDA esteve sempre presente em menor escala e a RFA foi mais forte".
Estes e outros países africanos puderam aproveitar a situação de Guerra Fria, "na medida em que usaram a concorrência dos sistemas para obter dinheiro dos dois lados", explica Unfried.
Para analistas em África e na Europa, o fim da divisão do mundo em dois grandes blocos ideológicos também acelerou a democratização de muitos países africanos.
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.