O lançamento de uma conferência de unidade nacional vocacionada para a paz e a reconciliação devia constituir um sinal de esperança para a população no norte do Mali. Mas na região reinam o ceticismo e o desalento.
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Fim da tarde em Gao, no norte do Mali. Um grupo de jovens adultos está sentado num quintal no centro da cidade. Entre eles está Issa Boncana, membro do Movimento de Resistência Civil. O grupo foi formado durante a crise de 2012. Em vez de fugir, os seus aderentes tentaram ajudar a população e resistiram pacificamente aos ocupantes islamitas e a muitos bandidos armados que se aproveitaram da situação, conta o jovem à DW. E explica porque é que o quintal se tornou no ponto de encontro diário: "Aqui não há nada para fazer. Não há fábricas. Ninguém investe na juventude que ficou”. Boncana diz que os jovens têm esperança que o Governo os ouça e crie emprego: "Mas, neste momento, não há nada", remata.
Mesmo antes da crise, que começou nos finais de 2011 com a revolta tuaregue e atingiu um ponto culminante com a ocupação dos extremistas islamitas, o turismo já tinha sofrido uma quebra importante. Até hoje não chegam aqui investimentos, porque a situação é considerada precária. Moussa Souma Maiga, o líder tradicional do grupo étnico do songai em Gao, diz: "É evidente que a segurança aqui não funciona. Não nos podemos movimentar livremente e até estamos mais limitados agora. O que não é aceitável."
A sensação de insegurança
Nalgumas esquinas de Gao, onde o exército alemão participa na missão de paz das Nações Unidas MINUSMA com 727 soldados, vêem-se capacetes azuis. De vez em quando, passam patrulhas. O exército maliano e as milícias aliadas estão acampados perto do aeroporto. Mas para além do centro da cidade não se avista um único posto militar. Circulam rumores que ainda há jihadistas ativos na cidade. O que é confirmado por Moussa Souma Maiga, que recorda o atentado de janeiro passado, no qual morreram 70 soldados. Ainda hoje ocorrem pequenos atentados que agravam o medo e a sensação de insegurança. Algo que está a influenciar o processo de paz.
O norte do Mali aguarda por soluções
Em maio de 2015, o Governo e vários grupos rebeldes tuaregue assinaram um acordo, que está a ser progressivamente implementado. A próxima etapa é a conferência de unidade nacional com início marcado para segunda-feira, 27 de março. Os temas que serão debatidos incluem a paz, a unidade nacional e a reconciliação. Mas no norte do país, que é, afinal a região que é o tema central da conferência, as expetativas são muito modestas. Vários grupos armados e partidos da oposição anunciaram um boicote ao encontro, em que participam representantes do Executivo. A incerteza e a falta de perspetivas são as características que continuam a marcar a vida dos habitantes da cidade de Gao.
Sentado no quintal, Issa Boncana afirma: "Nem nós, nem outros grupos juvenis, fomos contactados. Ninguém nos convidou. Ninguém nos perguntou nada. Se houver um acordo, será um acordo de Bamako. Não é um acordo do Mali ou sequer do norte. Não consideramos que isso seja um acordo".
Bamako está muito longe
Na opinião deste jovem, os grupos pacifistas deviam participar ativamente no processo de paz, uma vez que não se trata apenas de superar a crise, mas de garantir o futuro do país todo. Mas da forma como se processa o diálogo, fica a impressão que só aqueles que recorreram às armas são escutados. Os movimentos pacifistas são ignorados, lamenta Boncana.
O líder tradicional Souma Maiga está um pouco mais otimista. Diz que a conferência é relevante, mas sugere cautela: "O mais importante é que o amor à pátria faça ver a necessidade de compromissos. Há que perceber que numa situação tão frágil como a nossa rapidamente se destrói o que depois custa muito a reconstruir".
Moussa Souma Maiga diz não saber se da conferência, que deverá terminar no dia 2 de abril, resultará assistência concreta para a sua cidade natal de Gao. Tal como outros habitantes da cidade, o líder tradicional não esconde um certo ceticismo. Afinal, argumenta, o norte do Mali e os seus problemas sempre pareceram muito longínquos a Bamako.
Conservar os manuscritos de Tombuctu
A invasão islamita no norte do Mali pôs em risco de destruição milhares de documentos históricos. Estes foram salvos por Abdel Kader Haidara, feito pelo qual a Alemanha lhe outorgou o Prémio de África na edição de 2014.
Foto: DW/P. Breu
Tesouros históricos
Os manuscritos de Tombuctu são documentos históricos sem preço, que relatam a busca pelo conhecimento no mundo islâmico há muitos séculos. Tombuctu foi, em tempos, o centro islâmico da pesquisa e erudição em África.
Foto: DW/P. Breu
Contrabandeados em caixas de chumbo
Quando os islamitas começaram a destruir monumentos no norte do Mali em 2012, um grupo de cidadãos consternados transportou clandestinamente centenas de milhares de manuscritos de Tombuctu para a capital maliana, Bamako, no sul do país. Aqui foram depositados num edifício de residências, para aguardar a restauração e digitalização.
Foto: DW/P. Breu
O salvador dos manuscritos
Abdel Kader Haidara organizou a operação de resgate. O proprietário de uma biblioteca não só se preocupou em salvar os seus próprios manuscritos, mas também todos os documentos históricos de Tombuctu em risco de destruição.
Foto: DW/P. Breu
Nasce uma biblioteca digital
Os manuscritos estão agora a ser digitalizados na biblioteca de Bamako. Cada página é fotografada individualmente. A imagem é controlada e depois catalogada num arquivo central. O gigante da internet, Google, já manifestou interesse na coleção.
Foto: DW/P. Breu
Acesso geral aos manuscritos
A digitalização tem dois objetivos: preservar os manuscritos para a posteridade, caso os originais não resistam à humidade e ao calor de Bamako. E garantir o acesso a todos os interessados. Antes do conflito armado no norte e do resgate dos documentos não existia qualquer plano para os digitalizar.
Foto: DW/P. Breu
Caixas feitas à medida
Depois de serem digitalizados, os manuscritos são colocados em caixas de cartão isentas de ácidos. Aqui podem ser guardados para a posteridade. Uma vez que os manuscritos não têm todos o mesmo tamanho, as caixas tiveram que ser produzidas em trabalho manual.
Foto: DW/P. Breu
Uma biblioteca vazia
Na Biblioteca Comemorativa de Mamma Haidara, em Tombuctu, não há um único livro. E não é certo que a biblioteca volte a albergar documentos históricos no futuro. Muitos responsáveis acreditam que os documentos estão a salvo em Bamako. Mas também há quem receie pela identidade histórico-cultural de Tombuctu, caso os manuscritos não regressem a casa.
Foto: DW/P. Breu
Biblioteca em ruínas
O Instituto Ahmed Baba Institute foi criado com capitais da Fundação Aga Khan, África do Sul e Arábia Saudita. Para além de albergar a biblioteca, também tinha equipamento para a digitalização e restauração. Hoje, o instituto está vazio e dilapidado.
Foto: DW/P. Breu
Monumento aos manuscritos perdidos
Quando chegaram a Tombuctu, os islamitas deitaram fogo a muitos manuscritos no pátio do Instituto Ahmed Baba. Pretendiam assim demonstrar o seu poder ao ocidente e à UNESCO. Cerca de 4000 manuscritos foram destruídos. Os restos queimados servem hoje de memorial ao património perdido.
Foto: DW/P. Breu
Tombuctu vai cair na insignificância?
Quando Tombuctu perdeu a sua importância económica no século XX, descobriu o turismo como fonte de receitas alternativa. Mas o conflito de 2012 espantou os turistas, pelo que Tombuctu corre agora o perigo de perder também a sua relevância cultural, tanto mais que já não tem os manuscritos. E ninguém sabe se eles vão regressar.
Foto: DW/P. Breu
Sobram alguns manuscritos
Ainda existem algumas bibliotecas privadas. Mas em Timbuktu já é considerada uma biblioteca uma dúzia de páginas que cabem numa pele de carneiro. Este habitante de Timbuktu herdou alguns manuscritos do seu avô. É o que possui de mais valioso.
Foto: DW/P. Breu
Um futuro incerto
A situação política no Mali é tensa, e o exército maliano é demasiado fraco para garantir a estabilidade e segurança. Muitos habitantes de Tombuctu que fugiram da cidade optaram por não regressar. Eles não confiam na paz precária e a sua cidade enfrenta um futuro incerto.