O "passeio do governador": Polémica continua em Nampula
Sitoi Lutxeque (Nampula)
6 de julho de 2020
Após inúmeras críticas de cidadãos obrigados a caminhar na estrada, junto à residência do governador, Manuel Rodrigues esclarece que não é proibido circular no passeio. Mas a realidade é outra, dizem os transeuntes.
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Cidadãos em Nampula continuam desapontados com o governador Manuel Rodrigues. Em causa está a proibição do uso do passeio junto à sua residência protocolar, uma medida imposta há mais de uma década.
Em resposta a uma chuva de críticas, o governador diz que o passeio junto à sua residência não está vedado à população, mas pede que se respeitem os "locais de proibição" – apesar de não existir nenhum sinal de restrição na zona. "Nós não estamos a proibir", garante.
"Continuaremos a assumir a necessidade de todos nós pautarmos pelo respeito dos locais sinalizados para circulação restrita. Portanto, não existe proibição nenhuma para qualquer que seja objeto público, mas é necessário que cada um sinta que em alguns sítios a circulação é restrita", ressalva.
Manuel Rodrigues deixa ainda o convite: "As pessoas podem-se fazer à residência do governador, aliás, as pessoas entram lá e conversam com o governador e qualquer um que quer ir à residência do governador pode ir e terá acesso, porque aquilo é um bem público, não é casa particular".
"Humilhação" continua
Apesar das garantias do governador, a realidade é outra. O passeio continua a ser fortemente vigiado pelos agentes da Força de Proteção de Altas Individualidades – que garantem a segurança na residência oficial de Manuel Rodrigues.
"Sinto-me humilhado, quando passo por ali", lamenta Felizardo Mucussete, residente em Nampula. "Já não gosto de passar naquela zona, por essa humilhação na minha própria terra. Tenho algumas restrições em algumas zonas, porquê?", questiona.
O advogado Arlindo Murririua confirma que o impedimento prevalece, uma vez que o governador ainda não autorizou o uso do passeio: "Quando [Manuel Rodrigues] diz locais proibidos, nesses existe algo que sinaliza, ali não está escrito nada", sublinha. "Os policiais proíbem pisar aquele passeio. O governador ainda não deu um despacho ao comando provincial que diz aos polícias para não proibirem cidadãos".
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.