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Cultura

O político e poeta em "Itinerários de Amílcar Cabral"

Rafael Belincanta (Roma)
1 de julho de 2018

Livro apresentado este domingo (01.07) no Vaticano reúne 45 cartões postais enviados pelo "pai da independência" da Guiné-Bissau e Cabo Verde à sua mulher, Ana Maria Cabral, entre 1966 e 1972.

Márcia Souto folheia "Itinerários de Amílcar Cabral".Foto: DW/R. Belincanta

Editado pela Rosa de Porcelana, "Itinerários de Amílcar Cabral" é apresentado este domingo, 1 de julho, data em que se assinalam 48 anos após a audiência em que o papa Paulo VI recebeu os líderes dos movimentos de independência de Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola e Moçambique. Paulo VI recebeu os dirigentes do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e da FRELIMO, respetivamente Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos, no termo da "Conferência Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas", que decorreu em Roma.

Além da política, folhear as 124 páginas de "Itinerários de Amílcar Cabral" é uma oportunidade para conhecer novas facetas do líder guineense assassinado em janeiro de 1973.

Os últimos anos de viagens diplomáticas de Amílcar Cabral como secretário-geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) são agora contados a partir de uma perspectiva pessoal e íntima, mas que também é pública e política.

O político e poeta em "Itinerários de Amílcar Cabral"

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O lado humano e literário

"Nós tivemos um primeiro momento extremamente emocionante que era tocar nesse material que, de facto, é uma relíquia e que pertence à viúva Ana Maria Cabral", conta

Márcia Souto, uma das editoras do livro. "Ela confia e deixa-nos tocar naquele material, que é como tocar num tempo e num templo".

Mas a emoção não acaba neste momento inicial: "Vai perpassando também o momento em que vamos fazer a transcrição, ler aquela letra, tentar perceber o momento, e aquelas descrições do espaço onde está, desde o que estão comendo no pequeno-almoço até à repercussão do discurso que foi feito numa grande plenária. A transcrição deu-nos essa abertura ao mundo de Amílcar Cabral.

Neste postal enviado à mulher em 1968, Amílcar Cabral fala do camelo como um símbolo da resiliência.Foto: DW/R. Belincanta

De Moscovo a Nova Iorque, em plena Guerra Fria, de Roma a Genebra, do Senegal à Etiópia, os 45 cartões postais publicados trazem mensagens íntimas nas quais a palavra saudade se repete incontáveis vezes. É o lado humano do líder, que fala à esposa e aos filhos pequenos.

"Saudades. Agora tenho certeza de que as minhas saudades são maiores do que as tuas…beija a Raul por mim que te beijarei sempre, amor". Assim escrevera Amílcar Cabral à sua esposa num postal sem data, provavelmente de 1967, enviado de Nicósia, Chipre, a Conacri.

Outra faceta que se revela, segundo Márcia Souto, é a veia poética de Cabral: "Há um postal em que ele claramente demonstra uma veia literária forte em que fala de um camelo como metáfora da resistência no meio da aridez do mundo. Este postal é muito marcante".

"Palavras de um líder”

Os rumos do PAIGC e a luta pela independência também são preocupações constantes expressas por Cabral: "Começaram as audiências ontem e eu falei hoje de manhã… O nosso partido subiu tão alto no quadro africano (e mundial) que tenho medo das responsabilidades que pesam sobre os nossos ombros". Foi o que Cabral escreveu no mesmo postal logo após a poesia sobre o camelo, enviado de Argel, na Argélia, em 1968.

Postal enviado por Amílcar Cabral, de Roma, em 1968Foto: DW/R. Belincanta

Palavras de um líder, marido e pai que lutava pela liberdade por meio da diplomacia, considera Filinto Elísio, um dos editores do livro. "Eu acredito que o posicionamento de Cabral foi precursor do que nós hoje temos da procura de um mundo multipolar, de um mundo planetário, e Cabral fê-lo já naquela época”, afirma.

O livro será uma das pérolas da primeira participação de Cabo Verde na Feira Literária de Frankfurt, em outubro. Até lá, Filinto e Márcia imaginam o que escreveriam num postal enviado hoje a Amílcar Cabral.

"Eu escreveria-no de Berlim, com poucas palavras, dizendo a Cabral que o mundo que ele sonhou ainda não está totalmente feito, mas, vendo Cabral, acreditamos com fé de que estamos a caminho: ele construiu uma linha e o caminho está aqui para nós trilharmos", diz Filinto Elísio.

Já Márcia Souto escreveria do Brasil: "É o lugar onde conheci Cabral, de alguma forma. Escreveria muito pouco, colocaria apenas que valeu a pena. Embora ele não tenha vivido as independências pelas quais lutou, aconteceram e valeu a pena".

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