A perspetiva económica em Angola melhorou devido à subida do preço do petróleo e o apoio do FMI, segundo a agência Fitch. Mas o povo ainda espera mudanças no país, diz um economista ouvido pela DW África.
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A perspetiva económica de Angola passou de "negativa" para "estável". Quem diz isso é a agência de notação financeira Fitch, que, entretanto, manteve o rating da dívida angolana no nível "B", abaixo da escala de investimento. Entre os motivos para a nova perspetiva do país, apontou a Fitch, está o aumento do preço do petróleo no mercado internacional.
Para o economista angolano Yuri Quixina, professor de Macroeconomia do Instituto Superior Politécnico de Angola, a perspetiva "estável" de Angola poderá atrair mais investimentos externos. Mas isto dependerá, também, de outros fatores, como a sustentabilidade da dívida pública e a transparência das contas do Estado, afirmou o economista.
Em entrevista à DW África, Quixina também falou do Plano de Reforma Estrutaral implementado pelo Governo, que terá o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), e ressaltou que o povo angolano está à espera de melhorias concretas no país.
DW África: O que significa, de facto, essa mudança na perspetiva económica de Angola?
"O povo quer melhorias concretas em Angola", diz economista
Yuri Quixina (YQ): Esta notação de perspetiva "estável", no meu entender, deriva mais da recuperação do barril de petróleo no mercado internacional. Se os preços continuarem a subir nessa trajetória de aumento, significa que futuramente as receitas do Estado podem aumentar e, naturalmente, Angola poderá honrar com os seus compromissos a nível internacional e pagar o endividamento externo atarvés de divisas. Em segundo lugar, outro elemento que eu acho que a Fitch levou muito em consideração é a tentativa de implementação do Plano de Reforma Estrutural, que seguramente as autoridades estão a implementar. A equipa económica apresentou algumas derrapagens do ponto de vista da aplicação e só foram concluídas 37 das 144 medidas. E, com certeza, o Presidente da República achou melhor recorrer ao FMI para redesenhar o Plano de Reforma Estrutural. Entretanto, o facto de o FMI vir para Angola, isso também desperta segurança dos investidores a nível internacional. Portanto, esses três elementos são fundamentais para a que Fitch atribuísse uma perspetiva "estável".
DW África: Essa nova avaliação da economia seria um reflexo das políticas económicas que vem sendo aplicadas pelo Governo de João Lourenço. O cidadão comum já sente no dia a dia os resultados dessas novas políticas?
YQ: Seguramente os cidadãos sentem essas expetativas, se bem que, efetivamente, o povo quer mais, quer na prática, do ponto de vista do "pão na mesa". O primeiro trimestre já foi. Os indicadores, provavelmente, vão mostrar uma estagnação, a inflação ainda é considerável, o desemprego também é considerável, a pobreza continua extrema, a saúde... Já nem podemos mais falar sobre a saúde. Mas ainda é muito cedo. É uma economia que está muito bagunçada, mas a expetativa é alta.
DW África: Uma das justificativas para evolução do rating de Angola é a subida do preço do petróleo no mercado internacional, já que a matéria-prima ainda é responsáveis por mais de 90% das exportações angolanas. Mas essa dependência não será, na verdade, um risco?
YQ: Com certeza foi e continua a ser um risco. O petróleo fez ruir muito as equipas económicas que passaram na governação de Angola. Eu tenho dito que quem faz um país não é o Presidente da República, mas toda uma equipa. E as equipas criaram uma matriz económica virada para o consumo. Importávamos muitos produtos no mercado internacional, e quem importa muito, naturalmente, depois vai sofrer um revés quando não aumenta a base de exportação.
DW África: A elevada carga da dívida angolana é um dos fatores citados pela agência, que manteve o país na categoria de "lixo”, embora tenha passado para uma perspetiva "estável". Como avalia a sustentabilidade da dívida de Angola?
YQ: A dívida angolana continua a aumentar, então vai gerar o aumento do imposto amanhã. E o imposto é também custo de produção, isso não atrai investimento estrangeiro, que procura um país cujo o pacto fiscal é mínimo. Então a dívida pública, no meu entender, é muito preocupante e pode contrair a atividade económica de Angola.
DW África: A oposição angolana já cobrou no Parlamento a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para analisar a dívida pública, mas sem sucesso. Acha que o Governo tem interesse em tornar as contas mais transparentes?
YQ: Se efetivamente queremos mudar de modelo económico, portanto, "abrir o livro", "abrir as portas", pode influenciar [positivamente] nos investimentos estrangeiros em Angola. Eu acho que este Presidente tem vontade em fazer com que Angola seja mais transparente.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".