O que é o "Manifesto do Cidadão"?
17 de novembro de 2024Trata-se de um manifesto que ganhou mais visibilidade quando estoirou a tensão política em Moçambique, no contexto da alegada fraude eleitoral de 9 de outubro. Uma campanha de obtenção de assinaturas foi levada a cabo pelos seus mentores, sonantes nomes da academia moçambicana, principalmente nas redes sociais.
Apesar das expetativas serem de uma solução para o contencioso eleitoral, os mentores têm outro objetivo: "Encontrar soluções para aquilo que nos levou a esta crise", esclarece o sociólogo Elísio Macamo.
A DW ouviu um dos mentores do "Manifesto do Cidadão", inspirado num modelo implementado nas ex-colónias francesas, o académico da Univerdidade da Basileia, na Suíça, Elísio Macamo:
DW África: O que é o manifesto do cidadão?
Elísio Macamo: O manifesto do cidadão é um apelo que um grupo de moçambicanos, que se reúne há um ano para discutir os problemas do país, em contexto privado, lança a nossa sociedade para repensar sobre o país. A proposta que nós fazemos é que se realize uma conferência nacional, ao estilo do que aconteceu na África francófona, nos finais dos anos oitenta e início dos anos noventa, quando ouve uma viragem democrática em que as sociedades se reuniam numa espécie de assembleia constituinte em que se discutiu novos arranjos políticos. É claro que nós não podemos ignorar o que já existe em Moçambique.Nós temos uma Constituição, temos instituições. Mas está claro que o nosso sistema político limita bastante o exercício da cidadania.
Se nós queremos ser uma verdadeira nação precisaremos de reforçar, proteger e promover o exercício da cidadania, e essa conferência nacional teria essa tarefa.
DW: E como é que se implementaria isso na prática junto dos moçambicanos?
EM: Primeiramente, participariam nesta conferência naturalmente todos os partidos políticos - e estamos em contacto com os partidos políticos, de todas as forças vivas da sociedade, portanto a sociedade civil. Estamos em contato com essas forças todas e é la onde nos sentaríamos para debater, sem nenhum tabu, o que está mal, o que nos levou a esta situação de crise em que nos encontramos para tentar corrigir.
A nossa ideia é que seja um processo nacional, portanto não será somente um encontro em Maputo, na Beira ou em Nampula. Haverá vários encontros a largura do país, onde os cidadãos poderão apresentar as suas preocupações, nos dizer como é que gostariam de ver a sua cidadania reforçada, quais são os problemas que gostaria de ver resolvidos, que tipo de instituições é que gostariam de ter. E tudo isso será levado ao longo desse processo, será levado a essa conferência, onde nós vamos tomar essas decisões, e obter o compromisso dos participantes - sobretudo dos políticos - para implementarem.
DW: Esta tensão política que Moçambique vive veio evidenciar a relevância, ou a pertinência, desse manifesto do cidadão mais do que nunca?
EM: A nossa ideia inicial, na verdade, era de produzir algumas ideias antes da campanha eleitoral, e dizíamos que a campanha tinha de discuti-las. Por várias razões não fomos a tempo de produzir esse documento, porém continuamos a trabalhar. Quando surgiu esta crise, sobretudo com o duplo assassinato que nos envergonha, vimos que não podemos esperar mais e que precisávamos de vir ao publico e lançar esse apelo.
É verdade que há uma certa expectativa por parte das pessoas que a nossa iniciativa ajude a resolver o contencioso eleitoral. É claro que nós não poderíamos fazer isso, porque isso é uma questãopolitica que deve ser resolvida pelos políticos. As promessas que nós fazemos a sociedade moçambicana é de tentar encontrar soluções para aquilo que nos levou a esta crise, o que faz com que os nossos processos eleitorais não sejam justos, limpos e transparentes. Aquilo que faz com que os jovens se sintam marginalizados sem as possibilidades de ganharem a sua vida de forma honesta. Em resumo: tudo o que leva as pessoas, com toda razão, às ruas.