O que distingue o ANAMOLA, de Venâncio Mondlane
19 de agosto de 2025
Decorreu hoje, em Maputo, a primeira sessão extraordinária da Aliança Nacional para um Moçambique Livre e Autónomo (ANAMOLA), partido fundado por Venâncio Mondlane.
O ex-candidato presidencial moçambicano, que encabeçou, após as eleições gerais de outubro de 2024, a maior onda de protestos de que há memória no país, passou antes pela Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e até pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder). Abandonou estas formações políticas por deixar de se rever nos seus propósitos e estruturas internas.
"Para a existência de um Estado, na perspetiva do ANAMOLA, justiça social é fundamental", afirmou hoje Venâncio Mondlane, durante a sessão extraordinária do partido. "Se não há oportunidades igualitárias para todos, então há um problema existencial desse mesmo Estado", acrescentou.
Em entrevista à DW, o politólogo Ricardo Raboco afirma que o ANAMOLA se distingue das formações tradicionais devido ao seu foco claro na defesa dos interesses do povo moçambicano e pelo grupo social que o compõe, sobretudo jovens que deixaram de se rever nos outros partidos políticos.
DW África: O que defende o projeto político de Venâncio Mondlane?
Ricardo Raboco (RR): À partida, Venâncio Mondlane sustenta que os partidos políticos moçambicanos devem, em primeiro lugar, defender os interesses do povo.
Esse discurso foi notório aquando da sua chegada, ontem, ao Aeroporto Internacional de Maputo, quando afirmou que, o próprio símbolo do partido ANAMOLA, que é o punho cerrado, significa defesa dos interesses do povo moçambicano.
Mas isso também é evidente pelo grupo social que compõe o partido. Boa parte são jovens que não se reveem nos partidos políticos tradicionais moçambicanos, por considerarem que já não têm nada para lhes oferecer em termos de projeto de sociedade.
DW África: O que defende o ANAMOLA em concreto e como se diferencia o partido das formações políticas tradicionais?
RR: Em três aspetos – pelo seu fundador, pela composição social do partido, de maioria jovem, e por aquilo que o fundador vem defendendo, essa ideia de que os interesses do povo devem estar em primeiro lugar.
Este é um partido político que procura corporizar os interesses da população moçambicana.
DW África: É nesse ponto que o ANAMOLA se diferencia dos outros partidos ou não vê uma grande diferença?
RR: É muito difícil, no contexto atual, afirmar taxativamente que o ANAMOLA vai ser um partido diferente. Mas essa é a grande expetativa de boa parte dos cidadãos moçambicanos.
DW África: Como posicionaria o ANAMOLA na escala política? À direita, à esquerda ou ao centro?
RR: O partido é composto maioritariamente por jovens intelectuais – muitos deles formados em universidades, outros em instituições de ensino técnico-profissional. Por isso, parece-me mais um partido de centro-direita.
DW África: Identifica no partido traços populistas?
RR: No contexto e na forma de fazer a política, em Moçambique, quase todos os partidos políticos apresentam alguns traços de populismo. O ANAMOLA não foge à regra e parece-me que esta tem sido, nos últimos tempos, a forma dominante de ser e de fazer política ao nível nacional.
DW África: O que se pode esperar de Venâncio Mondlane como líder partidário? Acha que ele dará espaço ao protagonismo de outros políticos?
RR: Essa parece ser uma das caraterísticas de algumas lideranças com algum carisma que, muitas vezes, não conseguem conviver com oposição, com críticas internas ou com ascensões internas. Mas é preciso lembrar que uma das funções das lideranças partidárias é formar novas lideranças.
Para Venâncio Mondlane, a situação é particularmente desafiante, porque não nos esqueçamos que correm processos contra ele na Justiça moçambicana. E numa eventual condenação de Venâncio Mondlane, ele estará impedido de concorrer, por exemplo, à Presidência da República.
Se não abrir espaço para a ascensão de novas lideranças, poderá enfrentar dificuldades para viabilizar o projeto ANAMOLA.
DW África: O que se pode esperar efetivamente do ANAMOLA?
RR: Este país precisa de partidos políticos, da oposição, que estejam em condições de influenciar as políticas públicas. E não nos esqueçamos que este é um partido com um forte potencial de "intimidação". Tem uma franja significativa de membros e simpatizantes.
Mas se o ANAMOLA se envolver efetivamente no debate político nacional, é natural que a oposição se sinta intimidada e comece a cooptar elementos das propostas defendidas por este partido extraparlamentar, para tentar travar o seu crescimento, conquistar simpatias e evitar que ele seja "fatal" nos próximos pleitos eleitorais.