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O que está a provocar fome na Guiné-Bissau?

29 de junho de 2023

A queda na produção e comércio da castanha de caju tem causado um aumento preocupante da fome. À DW, economista diz que o país está numa situação de aperto e o novo Governo deve criar um plano de emergência.

Castanha de caju
Guineenses não estão a conseguir vender o principal produto que o país exporta Foto: picture alliance/Bildagentur-online/Tetra Images

A Guiné-Bissau, conhecida por sua rica produção de castanha de caju, está a enfrentar uma crise alimentar devido à baixa produção e comercialização desse importante produto agrícola. Os dados do Governo guineense apontam que mais de 80 por cento dos cerca de dois milhões de guineenses dependem direta ou indiretamente da produção da castanha de caju, principal produto de exportação do país.

Os agricultores guineenses relatam uma situação de fome devido ao "fiasco total" que está a ser a presente campanha agrícola, dizendo que são forçados a vender o produto a 150 ou 200 francos CFA (entre 0,22 e 0,30 euros), a preço muito inferior aos375 francos CFA(0,57 euros) estipulados pelo Governo.

O combate à fome foi o tema central da disputa eleitoral na Guiné-Bissau e deverá ser o grande desafio do novo Governo. 

O líder da coligação Plataforma Aliança Inclusiva (PAI) - Terra Ranka, Domingos Simões Pereira, vencedor com a maioria absoluta das legislativas, definido entre as prioridades do próximo Governo resolver o problema da fome que se faz sentir no país devido à campanha fraca da campanha de cajú.

Economista ouvido pela DW África não tem dúvida de que o colapso da campanha de compra e venda da castanha do caju está a ter um grande impacto no poder de compra dos guineenses, por ser o único produto comercial que o país exporta.

Segundo Santos Fernandes, o novo Governo, a ser formado provavelmente em agosto, tem de apresentar um plano de emergência para resolver o problema da cesta da castanha de caju, como forma de mitigar a fome no país. Mas há também outros fatores conjunturais que estão a fustigar a economia da Guiné-Bissau, começou por explicar à DW Santos Fernandes, mestre em Economia e Políticas Públicas.

Economista guineense, Santos FernandesFoto: Privat

DW África: Qual é a causa da crise alimentar na Guiné-Bissau? 

Santos Fernandes (SF): Houve uma desvalorização do Franco CFA (moeda única nos oito Estados da África Ocidental) face ao dólar e isso tem o seu reflexo em termos de comércio. O fator taxa de câmbio, tendo a desvalorização da moeda face à moeda que é utilizada do ponto de vista comercial a nível mundial, provocou a aceitação de alguns investidores tradicionais, nomeadamente os indianos, os vietnamitas e chineses e, sobretudo os asiáticos, o que teve reflexo na operação de compra e venda de castanha de caju. Esses investidores têm relações com os intermediários e intermediários, por sua vez, com os produtores da castanha de caju. Toda essa cadeia e esse ciclo sofreu com esses efeitos.

DW África: O período da realização das legislativas aos 04 de junho não ajudou a organizar a castanha de caju?

SF: A data de eleições legislativas coincidiu com o epicentro, ou seja, com período mais alto da exportação da castanha, o que refletiu de forma negativa no desempenho, porque todos os jogadores viraram as suas atenções para a própria ação política, não propriamente a ação económica ou comercial. A nível interno, não temos classe empresarial à altura de fazer a compra direta, porque essa nossa classe empresarial depende e muito da banca, depende do financiamento externo e também depende de investidores tradicionais dos países asiáticos.

Se somamos todos esses fatores e, ainda com o agravante de aguardar o período de transição até a formação do novo Governo que sairá das eleições legislativas de junho, esse período de transição também não vai ajudar. Terá reflexo profundo na vida económica do país.

Compra e venda a castanha de caju deve ser a prioridade do novo Governo da PAI Terra-Terra Foto: Alison Cabral/DW

DW África: Como é que isso está a impactar na vida do cidadão comum?

SF: Há relatos de fome nas aldeias, há relatos de dificuldades de escoamento da castanha do caju, há relatos de desvalorização do preço da castanha de caju, não obstante o preço estabelecido de três 375 francos CFA (0,57 euros). Temos ainda relatos de compra desse produto de forma marginal, muito aquém no preço estabelecido. Significa que isso vai impactar na poupança do produtor final. E se plantar na poupança do produtor final, esse produtor deixa de poder comprar o bem essencial, ou seja, a sua alimentação estará em causa.

DW África: É o que terá gerado a inflação no país?

SF: A inflação girou em torno de 8%, muito aquém do controle que nós vínhamos tendo da própria inflação. A nossa inflação é importada, porque não produzimos e dependemos da castanha de caju. Nós dependemos muito de produtos importados. Então, houve aumento do preço do produto no mercado internacional, impactando diretamente na inflação a nível nacional.

DW ÁFRICA: E quais são as medidas que devem ser tomadas pelo novo Governo para estimular a economia da Guiné-Bissau? 

SF: Recomenda-se um plano de emergência diante dos problemas da castanha de caju, encontrando um comprador e estabilizando o preço de compra e venda de castanha de caju. Fazer com que o preço ora estipulado seja posto em prática de 375 francos e, com urgência, escoar o produto porque estamos na época chuvosa. Portanto, espere-se do novo Governo um plano de emergência de 3 ou 4 meses para pôr fim a esta situação, sob pena de toda a produção da castanha ficar no interior do país, a semelhança do que aconteceu ano passado em cerca de 50 mil toneladas estava retirando no país. E este ano corremos o risco de ter mais de 100 mil toneladas sem compradores.

DW África: Ou seja, nesta sua objetividade, as anteriores económicas para o futuro da Guiné-Bissau nos próximos meses não são nada encorajadoras?

SF:  A meu ver, não são encorajadoras. O segundo semestre vai exigir muito aperto, porque a mudança do Governo, a não comercialização da castanha de caju de forma regular, sendo que não temos outro produto a exportar, o que podemos esperar? Ou irmos ao mercado endividar o país até atingirmos o limite do endividamento, o que não é aconselhável pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI). Então estamos diante de uma situação de aperto. O novo governo tem de tomar medidas urgentes.

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