Governo recomenda encerramento da lixeira de Hulene
Leonel Matias (Maputo)
21 de fevereiro de 2018
Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais, em Moçambique, vai abrir novo centro de acomodação para as vítimas do deslizamento de resíduos sólidos registado na lixeira do Hulene, arredores da cidade de Maputo.
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Mais de uma centena de famílias que viviam próximo da lixeira do Hulene, em Maputo, onde se registou nesta segunda-feira (19.02) o aluimento de resíduos sólidos causando pelo menos 17 mortos e cinco feridos, já se encontram instaladas num centro de acomodação, mas os visados clamam por melhores condições.
O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGCN) anunciou esta quarta-feira (22.02) a jornalistas que está a considerar a abertura de um novo centro de acomodação.
Paulo Tomás porta-voz da instituição disse aos jornalistas que "dada a afluência do número de pessoas que estão a chegar a este centro criado aventa-se a possibilidade de criar um novo centro para o maior conforto destas famílias".
Famílias continuam a deixar a lixeira
Muitas famílias continuam a deixar as imediações da zona da lixeira do Hulene, numa altura em que a previsão meteorológica aponta para a continuação de chuvas que esteve na origem da tragédia.Segundo Paulo Tomás para os próximos dias "ou seja até ao dia 28 de fevereiro a previsão meteorológica aponta para possíveis inundações urbanas para as cidades de Maputo, Matola e Beira e possível erosão ao nível da província de Maputo".
O Governo recomendou esta terça-feira (20.02) ao Conselho Municipal que encerre o quanto antes a lixeira do Hulene e que agilize a transferência para local seguro das famílias que vivem próximas daquele local.
Segundo a porta-voz do Governo Ana Comoana "este é um processo que já está a correr e está a decorrer com base em estudos feitos”.
A recomendação acontece numa altura em que várias vozes têm apelado através das redes sociais e nos debates radiofónicos e televisivos a abertura de um inquérito e a penalização dos responsáveis por aquela tragédia.
O Conselho Municipal escusa-se a comentar em relação as causas do incidente sublinhando que a prioridade neste momento é a de prestar assistência às vítimas da tragédia.Entretanto, o Presidente do Município David Simango disse aos jornalistas que "não queria discutir se é negligência ou não negligência. Eu prefiro dizer que temos responsabilidade no que aconteceu e assumimos. Agora se é na amplitude ou de forma limitada, esse debate vamos deixar para depois".
Recorde-se que um aterro está projetado para Matlamele, na vizinha cidade da Matola, para receber o lixo depositado diariamente em Hulene e devia ter entrado em funcionamento há dois anos, mas continua por concluir.
Moradores bloqueiam acesso a Maputo Ainda em Maputo, dezenas de residentes da zona do Chiango, nos arredores da cidade colocaram esta quarta-feira barricadas na estrada circular impedindo a movimentação de viaturas que pretendiam entrar e sair da capital através daquela via.
O que está a ser feito pelas vítimas do desabamento.
Eles protestavam contra o alagamento das suas casas alegadamente devido a concentração de águas drenadas a partir de um projeto denominado "Casa Jovem” e ainda da própria estrada circular. A situação voltou a normalidade após a intervenção da polícia sem o registo de incidentes.
A presente época chuvosa, que teve início a um de outubro último e prolonga-se até março, já provocou em todo o país 50 mortos, cerca de 130 mil pessoas afetadas e mais de 20 mil casas destruídas.
Destruiu ainda cerca de 700 salas de aula, 17 unidades sanitárias e quatro sistemas de abastecimento de água, entre outras infraestruturas.
Algumas populações encontram-se sitiadas, enquanto milhares de outras se encontram privadas do fornecimento de energia.
Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Isto causa diversos problemas ambientais e sociais.
Foto: DW/Marta Barroso
Resíduos sólidos sem tratamento adequado
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Este modelo de gestão do lixo traz consigo graves problemas de diversa ordem. Entre outros a possível poluição do ar, da terra e da água. A queima descontrolada dos resíduos também causa maus cheiros e problemas respiratórios na vizinhança.
Foto: DW/Marta Barroso
Cidades cheias
Desde a independência, a urbanização em Moçambique tem sido rápida e desordenada. Em meados dos anos 1970, nem 10% da população residia em zonas urbanas. A guerra civil empurrou comunidades inteiras para os centros urbanos. Hoje, o número de citadinos é quatro vezes mais alto e em 2025, calcula-se, mais de metade dos moçambicanos viverá em zonas urbanas. Aumentam os problemas com o lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Crescimento desordenado
Em Maputo, o custo de vida aumentou de tal forma que muitos se viram empurrados para a periferia e a cidade foi-se espalhando de forma desordenada. Tal como noutras zonas urbanas, o crescimento da capital não foi acompanhado por serviços públicos. Uma das áreas com graves deficiências é o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Foto: DW/Marta Barroso
Invisíveis perante a lei
Mais de metade da população ativa de Moçambique trabalha no sector informal. Também em Hulene, a lixeira é, para muitos residentes do bairro, a única fonte de rendimento. Lá dentro, os catadores são tolerados, mas para lá dos muros, permanecem à margem da sociedade que os vê como gente falhada. Excluídos das políticas e estratégias nacionais, os catadores permanecem invisíveis aos olhos da lei.
Foto: DW/Marta Barroso
Poucos avanços na separação do lixo
A Política Nacional do Ambiente, de 1995, define a gestão do ambiente urbano e a gestão de resíduos domésticos e hospitalares como prioridade de intervenção, visando melhorar o sistema de coleta, tratamento e deposição de lixo. Mas apesar de esta legislação ter sido adotada há quase vinte anos, poucos avanços se fizeram na separação do lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Lugar de tudo
De tudo um pouco se procura, se reforma e se vende em Hulene: restos de comida, alimentos enlatados fora do prazo, retirados dos supermercados da cidade, objetos de ferro, alumínio, latão e estanho, fio de cobre de eletrodomésticos avariados, garrafas de vidro e plástico, madeira, cartão, papel, pedras, filtros de cigarro, mobília danificada, algodão, borracha, lixo hospitalar e informático.
Foto: DW/Marta Barroso
Sem espaço para reciclagem
Em Moçambique, a reciclagem é feita de forma muito limitada, normalmente no âmbito de projetos ou iniciativas individuais. Um entrave à promoção da reciclagem no país prende-se com a escassez de indústrias que usem material reciclado e, consequentemente, a escassez de mercados para a sua compra. Muitos materiais têm de ser exportados, daí que este ainda não seja um negócio sustentável.
Foto: DW/Marta Barroso
Recicla, Fertiliza e Amor
Apesar disso, há alguns projetos de reciclagem no país. Recicla, Fertiliza e Amor são alguns exemplos. O primeiro produz paletes de plástico para venda em fábricas locais de utensílios domésticos, o segundo faz adubo a partir de lixo orgânico e o último compra lixo reciclável em ecopontos na capital, Maputo.
Foto: DW/Marta Barroso
Encerramento adiado
A última previsão de encerramento da lixeira marcava o ano de 2014 como prazo para transformar Hulene em espaço verde. Agora diz-se que a lixeira só será encerrada depois de construído um aterro sanitário que deverá ser partilhado tanto pela cidade de Maputo como pela vizinha Matola e custará aos dois municípios, ao Governo e a doadores mais de 20 milhões de dólares.
Foto: DW/Marta Barroso
E o lixo aqui continuará
Até a lixeira de Hulene ser encerrada, o lixo continuará a acumular-se aos montes. Montes que, segundo o Conselho Municipal de Maputo, chegaram já a atingir os 15 metros de altura. Mesmo depois de fechada, a decomposição dos resíduos aqui depositados ao longo de tantas décadas irá levar muitos anos.