O que está por trás da violência sexual no Leste do Congo?
27 de fevereiro de 2013A azáfama é grande no pátio da escola politécnica da cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo. Cerca de cem jovens aprendem a construir muros, misturar cimento e reparar carros.
A escola especializou-se na terapia de pessoas gravemente traumatizadas. Hoje é frequentada por antigas crianças soldado. Bonerge Kiunga, hoje com 19 anos, é uma delas.
O jovem esteve numa milícia durante quatro anos. No ano passado, conseguiu fugir. Mas não consegue esquecer aquilo por que passou. "Tivemos que pisar o sangue das nossas vítimas, comer ao lado delas, foi mesmo horrível", recorda.
Violência gera violência
Um estudo de psicólogos alemães da Universidade de Constança mostra que a violência de que foram vítimas estes jovens, condicionou-os, por seu lado, a serem extremamente violentos. Os psicólogos interrogaram antigos combatentes para perceber por que motivos violavam as mulheres. O objetivo era compreender melhor o que está por trás das violações em massa, cometidas por grupos rebeldes de forma sistemática, para tentar encontrar maneiras de as impedir a longo prazo.
Kiunga pensa que foram as drogas que tomou, em conjunto com os seus camaradas, que o levaram a violentar as mulheres: "As drogas faziam-me sentir durante uns dias que eu era o rei do mundo. Sentia-me invulnerável, contra bombas e balas", lembra Kiuanga. Mas esse não seria o único efeito das drogas: "Elas fazem com que precises de sexo." No entanto, antes de irem para os combates, os jovens seriam impedidos pelos comandantes de ter relações sexuais. "Durante os preparativos, não podes dormir com uma mulher, ou perdes a invulnerabilidade. Só quando conquistas uma aldeia e esperas pelos planos seguintes é que podes ter uma mulher", diz o jovem.
O resultado do inquérito científico: a violência desencadeia um verdadeiro delírio de sangue, sobretudo quando acresce o consumo de drogas, que são estimulantes sexuais.
Violação ou morte
Mas também há outros motivos por trás das violações, que não têm nada a ver com a satisfação sexual, refere o psicólogo alemão Tobias Hecker.
"Há violações em grupo, que são as mais violentas e cruéis, onde são usados paus e machetes, e que muitas vezes não têm nada a ver com a volúpia, mas sim com a pressão do grupo", diz Hecker. "Quando um grupo viola uma mulher, cada um tem que mostrar que é mais cruel do que o outro. Por outro lado, é muito embaraçoso quando não se consegue ter uma ereção. Para o disfarçar recorre-se à barbaridade. Todos os perpetradores com os quais falámos admitem repulsa e vergonha por estas violações em grupo. Mas o medo de perder prestígio é mais forte."
Um terceiro motivo é a vingança aliada à estratégia de guerra, que se traduz em ordens diretas dos comandantes para a violação sistemática de mulheres e crianças.
Foi o que aconteceu em 2010 na região de Walikale, na província de Kivu Norte. Mais de 300 mulheres foram violadas. A vítima mais nova tinha dois anos, a mais velha 80. Mas os combatentes que recebem as ordens para violar não se podem negar a cumpri-las. Senão, eles próprios são mortos.
O estudo dos psicólogos alemães chega a uma conclusão central:
"Todos com quem falámos são, ao mesmo tempo, vítimas e perpetradores. É muito importante compreender isso", sublinha Tobias Hecker. Além disso, acrescenta ainda o estudo, estes perpetradores também precisam de terapia para não transportarem mais violência para dentro da sociedade.
Autora: Simone Schlindwein (Goma)
Edição: Cristina Krippahl / Guilherme Correia da Silva / Helena Ferro de Gouveia