Face a múltiplas crises na África Ocidental, a União Europeia mantém-se circunspeta. Há razões para Bruxelas mostrar reticência em comentar as eleições controversas na Costa do Marfim e na Guiné e a violência na Nigéria.
Publicidade
Alassane Ouattara nem devia ter concorrido às eleições presidenciais na Costa do Marfim no passado dia 31 de outubro. Só um truque legal lhe permitiu ganhar um terceiro mandato num escrutínio boicotado pela oposição. Mas a crise naquele país está longe de terminada. A oposição não reconhece os resultados. Já durante a campanha eleitoral ocorreram protestos violentos que resultaram em mortos e feridos.
A União Europeia (UE) reagiu com enorme cautela. O comissário dos Negócios Estrangeiros Joseph Borrel disse, numa declaração, que a união "registou" os resultados. "A UE espera que todas as partes ajudem a acalmar a situação e retomem o diálogo [...] e promovam a reconciliação através de medidas concretas", concluiu.
Apelos em vez de ação
A situação é parecida na Guiné-Conacri, onde o Presidente Alpha Condé, de 83 anos de idade, alterou a Constituição para poder voltar a candidatar-se em eleições que acabou por ganhar. O país também foi palco de protestos violentos e acusações de fraude eleitoral. Mas a UE limitou-se a uma breve admoestação: há questionamentos da credibilidade do voto, disse Bruxelas com reticência diplomática.
Na Nigéria, nas últimas semanas, multiplicaram-se os protestos em massa, especialmente dos jovens, contra a corrupção na administração, a violência policial e a opressão. A polícia reagiu com enorme violência em intervenções nas quais morreram, até agora, pelo menos 12 manifestantes. Sobre o ocorrido a UE mantém o silêncio.
Bruxelas aposta em soluções regionais
Muitas pessoas nos países afetados por crises estão insatisfeitas com a passividade da comunidade internacional. "Esta aparente indiferença explica-se pelo facto de a comunidade internacional não querer ultrapassar uma linha vermelha de ingerência", disse à DW Ramadan Diallo, politólogo da Universidade de Sonfonia-Conakry na Guiné. E conclui: "De agora em diante teremos de apostar mais em recursos internos para resolver os problemas. Tendo em conta a sua atitude, não devemos esperar grande coisa desta comunidade internacional".
O africanista alemão Robert Kappel discorda. Claro que a UE interfere nas crises africanas, afirma, apontando, como exemplo, a missão de formação das forças de segurança locais no Mali, África Ocidental. A UE também apoia a G5, uma força militar regional criada por vários países do Sahel para combater o extremismo islamista.
Segundo Kappel, a razão simples para a reticência pública de Bruxelas nas eleições na Costa do Marfim é simples: "A UE aposta nas instituições regionais como a CEDEAO [Comunidade Económiica dos Estados da África Ocidental] para mediar uma solução", disse o analista à DW.
A CEDEAO interveio com sucesso em várias crises políticas na região, como na Gâmbia, em 2017, e no Mali, em 2013. A intervenção da UE, por outro lado, nem sempre é bem recebida pelos governos africanos, realça Kappel. Assim, vários governos rejeitam o Tribunal Penal Internacional como um instrumento de influência ocidental. É por esta razão que a UE está mais relutante em intervir publicamente nos conflitos.
Publicidade
Declaração conjunta e observadores eleitorais
O caso muda de figura nos bastidores, diz Thilo Schöne, representante da Fundalção Friedrich-Ebert na Costa do Marfim, próxima do partido social-democrata SPD, na coligação governamental em Berlim: "Nas últimas semanas e meses, a UE tem sido um dos principais atores nas mediações entre o Governo e a oposição", disse Schöne à DW, acrescentando que embaixadores de vários Estados-membros da UE têm intervido nesse sentido junto do Executivo de Abidjan.
Numa iniciativa rara no âmbito da política externa comum, a Comissão da UE e todos os Estados-membros publicaram uma declaração de política externa sobre a situação, diz Schöne. Além disso, a UE enviou observadores eleitorais à Costa do Marfim. Mas, devido à pandemia da Covid-19, a missão foi significativamente reduzida.
Segundo Schöne, a UE está a financiar extensos relatórios sobre as eleições e a manutenção da paz. Para este especialista, é bom que a união não interfira nos conflitos internos, evitando dar a impressão de que está a tomar partido como potência ocidental.
Viragem na política europeia
A política europeia parece estar perto de uma viragem. Em março, a Comissão de Bruxelas apresentou uma nova estratégia para África que sublinha a importância da paz e da segurança no continente vizinho. Robert Kappel diz que urge uma parceria europeia-africana em pé de igualdade. O que também significa que os governos africanos devem assumir maior responsabilidade pelas suas próprias ações, diz o especialista.
"A UE cada vez dá mais ênfase ao apoio concedido à sociedade civil e militar e a despedir-se da intervenção militar". Há um reconhecimento de que as operações militares nos últimos anos não foram bem sucedidas. A nova abordagem da UE era portanto urgentemente necessária."Para estabelecer a paz e assegurar a democracia, há que promover as faculdades dos países de resolverem os seus próprios problemas", conclui Kappel.
Bienvenu à Matonge: um pedaço de África em Bruxelas
Bruxelas é a capital da União Europeia - e lar de cerca de 100 mil africanos. No colorido bairro de Matonge, eles vivem um pouco como na terra natal, a República Democrática do Congo (RDC).
Foto: DW/E. Shoo
Kinshasa na Bélgica
Cerca de 100 mil pessoas com raízes africanas vivem em Bruxelas, o que é quase 10% da população da capital da Bélgica. A maioria veio das ex-colónias belgas - República Democrática do Congo e Ruanda. Outros, de países do Oeste Africano - como Senegal, os Camarões e Burkina Faso. Todos eles encontram um pedaço de casa em Matonge, que é também o nome de um bairro da capital do Congo, Kinshasa.
Foto: DW/E. Shoo
Vestidos para ocasiões especiais
Pode-se comprar de todas as cores e modelos: tecidos de algodão para casamentos ou festas religiosas. Mesmo as europeias compram aqui e apreciam as opções coloridas. Em muitas lojas, a proprietária corta o modelo desejado na hora. Porém, os tecidos não são provenientes do Gana ou do Congo, mas da Holanda. "Eles têm uma melhor qualidade", diz uma vendedora.
Foto: DW/E. Shoo
Cabelos do Brasil, da Índia e da China
Perucas, tranças, cosméticos. Em Matonge, estão os especialistas em cabelos crespos. É lá que as mulheres de ascendência africana vão buscar seu novo visual - do mais simples ao mais complexo. As extensões de cabelo e perucas variam consideravelmente em qualidade e preço. Mechas de cabelo artificial podem custar a partir de 10 euros. Uma peruca feita de cabelo brasileiro pode valer até 300 euros.
Foto: DW/E. Shoo
Bate-papo em Matonge
Também os homens vêm a Matonge. Emmanuel sempre recebe aqui o seu novo corte de cabelo. Ele vem de Kinshasa, e em Matonge ele se sente um pouco como em casa. "Sempre encontro conhecidos aqui," diz. Por um novo visual, os pagam menos que as mulheres - o corte de cabelo custa a Emmanuel apenas oito euros.
Foto: DW/E. Shoo
Ligação com África
As lojas em Matonge se adaptaram às necessidades dos seus clientes africanos. Especialmente populares são as lojas de telefonia que oferecem chamadas de baixo custo para a terra natal. Além disso, se instalaram aqui prestadores de serviços financeiros que ganham bastante com os muitos africanos que transferem parte de seu salário para a família em África.
Foto: DW/E. Shoo
Pequenos presentes de África
Quem procura um presente colorido de África na cinzenta Bruxelas, vai encontrá-lo aqui. A variedade na loja Afrikamäli (ou "Tesouros de África", na tradução literal) vai de brincos e colares a castiçais e cestos. Os produtos provêm de países como o Quénia, a África do Sul, Moçambique, Burkina Faso e Mali. Em Matonge, muitos comerciantes mantém uma ampla rede de fornecedores no continente africano.
Foto: DW/E. Shoo
Um ponto de encontro
A Associação Cultural Kuumba integra africanos e europeus. Há comida africana, bem como concertos, noites de cinema ou passeios guiados pelo bairro Matonge. Além do suaíli, fala-se especialmente o francês. Mas em Kuumba pratica-se também o holandês: o café cultural é apoiado em grande medida pela comunidade flamenga.
Foto: DW/E. Shoo
Construíndo pontes entre África e Europa
O café cultural Kuumba foi ideia de Jeroen Marckelbach. "Tudo começou, quando circulei de bicicleta de Matonge em Bruxelas a Matonge em Kinshasa em 2008", diz ele. "Eu queria fazer algo para melhorar a relação entre os africanos e os belgas. Eles se conhecem muito pouco. Por meio de cursos de línguas, arte e literatura, as culturas devem aprender uma com a outra."
Foto: DW/E. Shoo
Multicultural e multilingue
Em Matonge, encontram-se diferentes culturas e línguas. Muitos falam francês, alguns também inglês ou holandês. Alain Mpetsi, que nasceu no Congo, se beneficia da diversidade linguística. Ele fala cinco línguas e trabalha como intérprete. Além disso, ele também dá aulas de suaíli e lingala, duas das línguas mais importantes da República Democrática do Congo.
Foto: DW/E. Shoo
Tesouros culinários
A comunidade africana não vem a Matonge apenas para fazer compras. É igualmente importante encontrar-se para tomar uma cerveja e ouvir música africana, ou para comer. Vários restaurantes oferecem bebidas e pratos tradicionais de África. O restaurante Soleil d'Afrique (ou "Sol de África", na tradução literal) é um dos mais famosos em Matonge. Tanto moradores quanto turistas vêm aqui.
Foto: DW/E. Shoo
Banana cozida e mandioca
No cardápio, estão pratos como Mafe (carne com molho de amendoim), Yassa (carne marinada temperada), peixe e bolinhos recheados com legumes ou carne moída. Os pratos geralmente vêm da África Oriental e Ocidental. Como acompanhamento há, por exemplo, arroz ou banana frita. Em Matonge substituem as tradicionais batatas fritas da Bélgica.
Foto: DW/E. Shoo
Música congolesa ao vivo
Em Matonge, a música é omnipresente. Cantores, alguns deles estrelas na República Democrática do Congo, se apresentam em muitos restaurantes e bares africanos nos finais de semana. Também nas lojas e salões de cabeleireiros, ouve-se música por todo dia. Assim, Matonge traz um pedaço colorido da alegria de viver africana ao cotidiano de Bruxelas, no coração da Europa.