"Obama de África": As reformas do primeiro-ministro etíope
Antje Diekhans | ms | AP | Lusa
14 de novembro de 2018
Mais de 60 oficiais foram presos na Etiópia por corrupção, violação de direitos humanos e outros abusos. Detenções ocorrem numa altura de grandes reformas no país, implementadas pelo novo primeiro-ministro, Abiy Ahmed.
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A polícia etíope prendeu este fim-de-semana 63 oficiais, incluindo generais e agentes dos serviços secretos. A Amnistia Internacional já elogiou as detenções, que classificou como um primeiro passo importante para punir os responsáveis pelos abusos cometidos na Etiópia durante mais de duas décadas. A organização de defesa dos direitos humanos também apelou ao governo de Abiy Ahmed a prosseguir as reformas no setor da Justiça.
As detenções são o resultado de uma investigação iniciada há quase meio ano sobre os abusos do anterior governo. Além de corrupção e de graves atrocidades, alguns chefes de segurança também são acusados de terem ordenado um ataque contra o novo primeiro-ministro.
Há algumas semanas, um grupo de soldados tinha já planeado um golpe semelhante. O primeiro-ministro condenou-os a fazer flexões - exercício no qual acabou por participar o próprio governante. "Tive de me comportar assim para salvar vidas. Tive de fingir que estava tudo bem. É assim que faço o meu trabalho", justificou Abiy Ahmed.
As reformas do "Obama de África"
Há quem chame "Obama de África" a Abiy Ahmed e defenda que deveria receber o próximo Prémio Nobel da Paz. Desde que assumiu o governo, em abril, as reformas no país sucedem-se a um ritmo alucinante, tanto no campo político, como económico e diplomático.
"Obama de África": As reformas do primeiro-ministro etíope
Tem sido elogiado, mas também odiado por isso, lembra o analista etíope Omer Redi. "As pessoas que se opõem às suas reformas têm muito a perder. Beneficiaram do sistema durante quase três décadas e ganharam muito dinheiro, graças às boas ligações com o governo. Tinham o poder nas suas mãos", recorda.
Abiy Ahmed, de 42 anos, é o primeiro oromo a liderar a coligação no poder, a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF). Até então, era a minoria Tigray quem tinha a última palavra.
O novo primeiro-ministro libertou presos políticos, reduziu o gabinete e nomeou muitas mulheres como ministras. Até a Presidente do país é agora uma mulher, Sahle-Work Zewde, a diplomata que até há pouco tempo era representante especial do secretário-geral da ONU, António Guterres, para a União Africana (UA).
Acordo de paz com a Eritreia
Mas a maior conquista de Abiy Ahmed foi ter feito as pazes com a vizinha Eritreia, depois de 20 anos de conflito. Na altura, em setembro, António Guterres elogiou o acordo "histórico" que pôs fim a um dos conflitos mais difíceis e sangrentos de África.
"A assinatura do tratado de paz entre o Presidente da Eritreia e o primeiro-ministro da Etiópia é, de facto, um acontecimento histórico. Assistimos ao fim de um conflito que durou décadas. E isso tem um significado muito importante num mundo em que, infelizmente, tantos conflitos se multiplicam e perduram", disse o secretário-geral das Nações Unidas.
A Etiópia e a Eritreia tinham rompido ligações diplomáticas no início de um conflito pelas fronteiras, que os opôs entre 1998 e 2000 e resultou em cerca de 80 mil mortos. Antiga província etíope no Mar Vermelho, a Eritreia declarou independência em 1993 depois de expulsar as tropas etíopes dos seus territórios em 1991, pondo termo a três décadas de guerra.
Em termos económicos, também tem havido melhorias na Etiópia. O novo primeiro-ministro quer privatizar empresas estatais e criar novos empregos. Reformas que têm merecido aplausos também fora do país.
De portas abertas: Etiópia recebe os "inimigos" eritreus
Todos os dias, os eritreus deslocados atravessam a perigosa fronteira para buscar asilo em território inimigo, mas a Etiópia parece muito feliz em acomodá-los.
Foto: DW/J. Jeffery
Vagando pelo deserto
"Levamos quatro dias viajando de Asmara", disse um eritreu de 31 anos sobre a caminhada da capital da Eritreia, a 80 quilômetros ao norte da fronteira, depois de chegar à Etiópia. "Viajamos por 10 horas durante a noite, dormindo no deserto durante o dia". Com ele estão outros três homens, três mulheres, seis meninas e quatro meninos.
Foto: DW/J. Jeffery
Sem volta
"As condições de vida na Eritreia são mais perigosas do que atravessar a fronteira", diz um soldado eritreu de 39 anos – agora um desertor depois de atravessar para a Etiópia. Após serem recolhidos por soldados etíopes que patrulham a fronteira, os eritreus são enviados para um centro de registo, onde é iniciado o processo de pedido de asilo na Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffery
Vida de acampamento
Os recém-chegados são acomodados em um dos quatro campos de refugiados na região do Tigray na Etiópia. O acampamento de Hitsats é o maior e mais novo, com 11 mil refugiados. Cerca de 80% deles têm menos de 35 anos de idade. "Mesmo que busquem o asilo político, haverá uma questão económica, já que eles são jovens e precisam gerar renda para viver", diz o coordenador do campo, Haftam Telemickael.
Foto: DW/J. Jeffery
Aproveitar ao máximo a situação
A infraestrutura do acampamento é simples, mas digna. Há pouco lixo espalhado e as pessoas fazem o máximo para tornar a sua habitação o mais caseira possível. "Quando eu bebo uma xícara de café entre as flores é bom", diz John, de 40 anos, de pé no pequeno jardim cheio de flores ao redor da casa do acampamento de Hitsats, onde vive com a filha de 10 anos. Sua esposa está na América.
Foto: DW/J. Jeffery
Vida difícil
"O povo eritreu é bom", diz Luel Abera, um funcionário etíope que ajuda a coordenar as chegadas de refugiados antes de se mudarem para um acampamento. "Eles lutaram pela independência por 30 anos. Mas desde o primeiro dia, [o Presidente da Eritreia] Isaias [Afwerki] governou o país sem se importar com os interesses de seu povo". Isaias governou a Eritreia há mais de 25 anos.
Foto: DW/J. Jeffery
Influxo constante
"Não quero falar sobre por que cruzamos a fronteira", diz Haimanot, de 18 anos, que cuida de um pequeno barraco usado para a recarga de telemóveis em Hitsats. Em fevereiro de 2017, mais de três mil eritreus chegaram à Etiópia, de acordo com a agência de refugiados do país. Pelo menos 165 mil refugiados e requerentes de asilo residem na Etiópia, de acordo com a ONU.
Foto: DW/J. Jeffery
Sono tranquilo
"No Sudão há mais problemas. Aqui podemos dormir tranquilamente", diz Ariam, de 32 anos, que chegou a Hitsat há quatro anos com seus dois filhos depois de passar outros quatro anos num campo de refugiados no Sudão. Os refugiados afirmam que os militares da Eritreia realizam missões para capturar eritreus no Sudão. A fronteira da Etiópia com a Eritreia é muito mais protegida contra estas incursões.
Foto: DW/J. Jeffery
Generosidade ou estratégia?
"A resposta da Etiópia é gerenciar o portão e perceber como isso pode se beneficiar com esses fluxos inevitáveis de pessoas", diz a analista de refugiados Jennifer Riggan. Mais dinheiro também é gasto hospedando refugiados devido a esforços internacionais para frear a migração para a Europa. Também é um caminho para a Etiópia reforçar a sua reputação internacional.
Foto: DW/J. Jeffery
A camaradagem supera o ódio
As posições militares da guerra de 1998-2000 entre a Etiópia e a Eritreia ainda estão ao lado da fronteira de hoje. Enquanto isso, ambos os governos acusam-se de conspirar um contra o outro. Mas a Etiópia parece disposta a se redimir com os eritreus comuns. "Somos as mesmas pessoas, compartilhamos o mesmo sangue, até mesmo os avós", diz Estifanos Gebremedhin da agência de refugiados da Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffery
Migrar
"Meus filhos estão na América, mas não há razão para eu ir – agora sou um homem velho", diz Tesfaye, de 74 anos, em Shimelba, primeiro campo de refugiados eritreus de Tigray, aberto em 2004. Outros milhares de eritreus vivem em cidades etíopes, fora dos acampamentos. Muitos decidem migrar para fora – alguns legalmente, como os filhos de Tesfaye, mas muitos ilegalmente, e às vezes morrem tentando.
Foto: DW/J. Jeffery
Passado não esquecido
"Os soldados etíopes que nos encontraram foram como irmãos para nós", diz Yordanos, de 22 anos, mãe de dois. A Eritréia era a região mais ao norte da Etiópia antes da sua independência em 1993. Desde então, Tigray passou a ser a região etíope mais ao norte. Por isso, muitos eritreus compartilham a mesma língua, Tigrinya, e a mesma religião e cultura ortodoxa que os habitantes de Tigray.