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Cultura

Obras de arte de Angola de volta ao país?

20 de dezembro de 2018

Angola pretende reaver obras de arte que estão em Portugal e em outros países. Mas para especialistas, o Governo deveria se concentrar, agora, na conservação do património que já está no país.

Estátua Nkisi Nkondi, da região de Angola e do Congo, em LisboaFoto: DW/J. Carlos

Portugal ainda não recebeu das autoridades angolanas qualquer pedido oficial com vista a uma possível restituição dos inúmeros objetos culturais patentes nos museus portugueses, retirados de Angola durante o período colonial.

A informação é adiantada à DW pela Direção-Geral do Património Cultural, na sequência da pretensão do Ministério da Cultura de Angola em recuperar o património existente na maioria dos países europeus e nas Américas. Contactado pela DW, o Museu de Etnologia português, onde se encontra a maior parte dos referidos objetos, não comenta para já o desejo do Executivo angolano.

Entretanto, a conservação do património cultural nacional em território angolano é muito mais premente que qualquer operação visando a recuperação do acervo que Angola possa ter fora do país. É o que defende o historiador Alberto Oliveira Pinto.

Obras de arte de Angola de volta ao país?

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Prioridades

O historiador diz que recentemente esteve no Museu da Huíla, em Angola, e constatou que há muito a ser feito no que diz respeito à conservação, apesar de ter notado o empenho da direção da instituição. "Dou exemplo da Huíla como o de imensos museus que há em Angola. Estou mais preocupado com isso do que propriamente com as peças angolanas que estão no estrangeiro. Há outros problemas muito mais urgentes a resolver, nomeadamente no campo do património".

A prioridade não é tanto a devolução das peças de arte, reafirma o cidadão angolano. "Seja na Europa seja em qualquer outro continente, haver peças de museu de um país, neste caso Angola, isso enriquece o país e o património. Quer dizer, se entrarmos por aí, a gente agora vai começar a ter que devolver uma quantidade de peças do mundo inteiro. Até pode ser que se criem conflitos desnecessários", diz.

Alberto Oliveira Pinto dá o exemplo do Museu colonial de Tervuren, na Bélgica – onde estão muitas peças pilhadas de África – que até tem dado a conhecer a história e a cultura de muitos povos e Estados africanos. "Não estou a imaginar os belgas a devolverem as peças que lá estão, como não estou a imaginar no Museu de Louvre, em Paris, ser devolvida ao Egito a arte egípcia", exemplifica.

Intenção angolana

De acordo com fontes oficiais, Angola anunciou que vai criar uma equipa técnica para proceder ao levantamento e identificação de "objetos culturais" presentes em museus portugueses. O número de tais peças é "impossível de quantificar devido às relações históricas entre os dois países", segundo disse à agência de notícias Lusa Zivo Domingos, diretor nacional dos Museus de Angola.

O mesmo responsável adiantou que o Ministério da Cultura de Angola vai contactar em breve o congénere português e pensa, logo que possível, enviar a missão a Portugal para dar início aos procedimentos para uma eventual devolução dos referidos objetos.

Alberto Oliveira Pinto não se opõe ao levantamento das peças angolanas, até "porque algumas estão esquecidas ou misturadas com outras". Mas, por outro lado, admite que Angola tem condições para cuidar do seu património histórico e cultural.

Alberto Oliveira Pinto, historiador angolanoFoto: DW/J. Carlos

"Angola tem condições para ter excelentes museus. E os museus de Angola têm condições para preservar as bonecas de Angola ou recuperar, etc. Não é preciso estar a ir buscar aos museus de outros continentes. Isso é que me parece ser mais urgente como investigador e como pessoa que conhece Angola".

A propósito, a DW tentou ouvir a ministra portuguesa da Cultura, Graça Fonseca, mas sem sucesso. A assessoria de imprensa da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) fez saber, sem direito a mais declarações, que, "não recebeu até à data nenhum pedido [de Angola] para a restituição de património dos museus retirado dos territórios durante o período colonial".

Grande parte do acervo cultural e histórico angolano disperso por todo o mundo está no Museu Nacional de Etnologia de Portugal. O seu diretor, Paulo Costa, respondeu também por e-mail em linha com a Direção-Geral do Património.

Restituição de obras de arte

António Camões Gouveia coordena a exposição "Contar Áfricas" patente no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, até abril de 2019. Considera que a restituição não é uma falsa questão. Já aconteceu no passado, entre países europeus e África, por exemplo, há cerca de cinco anos de Itália para a Etiópia. E agora o tema volta à cena com o estudo do Presidente francês, Emmanuel Macron.

"Há aqui muitos temas de fundo misturados, sendo que me parece que em termos de metodologia o primeiro é aceitar que pode haver devoluções – eu creio que poderá ter que haver devoluções; segundo: pensar, mesmo essas que terão que existir ou que poderão existir têm que ser muito trabalhadas e caso a caso".

António Gouveia: "Criou-se afetividades com objetos africanos" Foto: DW/J. Carlos

"O problema é que um objeto de museu, membro de uma coleção, vai ter que ser desintegrado. Isto é um problema que os Estados europeus têm que resolver. Nós temos mecanismos de incorporação e vamos ter que desincorporar. Alguns princípios temos que salvaguardar. A peça não pode ir como simples objeto. Não pode perder o que já se conhece dela e o que ela permite que se conheça", afirma o professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

De acordo com António Camões Gouveia, também antigo diretor do Museu de Évora, em Portugal, há objetos que foram roubados em África, tal como há objetos que foram roubados na Europa. "Esses são casos de Interpol". Depois, falando de objetos simbólicos, reconhece que "África sofreu mais do que qualquer um dos outros continentes alguma espoliação por parte da Europa". Por outro lado, adianta, "criou-se afetividades com objetos africanos, por exemplo, na Europa. E isso também não se pode ignorar".

Na perspetiva de António Gouveia, quer seja no caso angolano ou outro, este "é um tema complexo, muito difícil de abordar" pelas suas várias vertentes. "Há que haver aqui uma atitude muito pedagógica" na forma como deve ser abordada esta matéria, "caso a caso", alerta o professor universitário.

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